Os Mucker (1978)
Brasil (SP-RJ) – Bundesrepublik Deutschland [Alemanha Federal]
Longa-metragem | Ficção
35 mm, cor, 107 min
Companhia produtora: Stop Film; Embrafilme Empresa Brasileira de Filmes S.A.; ZDF Zweites Deutsches Fernsehen
Primeira exibição: São Paulo (SP), 2ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo [17-31 out], Auditório do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 30 out 1978, seg, 16h, 22h
Primeira exibição RS: Gramado (RS), 7º Festival do Cinema Brasileiro de Gramado [22-27 jan]-Mostra Competitiva Longa-metragem, Cine Embaixador, 26 jan 1979, sex
Marlise Saueressig. Novo Hamburgo, RS, 24 out 1946. Campo Bom, RS, 25 abr 2022. Além de Os Mucker aparece no curta Cone sul (João Guilherme Barone, Enio Staub, 1985) e na minissérie O Tempo e o vento (Paulo José, 1985).
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Sinopse
Intertítulos iniciais: // Em consequência das guerras napoleônicas e com o começo da restauração política na Europa, milhares de camponeses alemães fugiram para o Brasil. Eles tentaram uma nova vida nas matas do Rio Grande do Sul. // Cinquenta anos depois da chegada dos primeiros emigrantes – em torno de 1874 – passaram-se determinados fatos que, neste filme, serão apresentados pelos próprios descendentes, na região dos acontecimentos históricos e na língua deles, conservada até hoje. //
A partir de 1870, na região de Sapiranga, Rio Grande do Sul, surgiram os Mucker, vivendo em completo isolamento, sem contato com os colonos brasileiros, falando um dialeto próprio e organizados de maneira coletivista. Seu guia de organização social era a Bíblia, que adotavam como uma constituição, cujo objetivo principal era promover a justiça social. Reunidos em torno de Jacobina Mentz, praticavam um tipo de religião, que serviu para unir contra os Mucker as igrejas Católica e Protrestante, tradicionais rivais. Contra os Mucker pesavam acusações de roubo e mortes ocorridas na região e de fanatismo religioso. Em 1874, a comunidade é invadida por tropas do Exército e da Guarda Nacional. A força mística de Jacobina estava tão difundida que os próprios soldados se negavam a matá-la. Jacobina e seus apóstolos morreram pelas próprias mãos. // Fim //
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Ficha técnica
ELENCO
Marlise Saueressig (Jacobina Mentz), José Lewgoy (Juiz Abilio), Paulo César Pereio (Capitão Dantas), Ricardo Hoeper (Rudolf Sehn),
Telmo Lauro Müller (Delegado Spindler), Sigurd Schinke (Pastor Klein), Vitali Bachtin (Robinson), Helena Hill-Mentz (Mãe de Jacobina), Arti Hugenthobler (Hannes Sehn),
Carla Saueressig (Maria Sehn), Markus Schmitt (Wilhelm Golzer), Fritz Hill (Comerciante Golzer), Flávio Dhein (Escrivão de polícia Weber), Ivo Roque Sefrin (Coronel Genuino Sampaio),
Osmar Harff (Pedro Serrano), Abdon Schnorr (Peter Haubert), Romeu Schütz (George Haubert), Romeu Decker (Hannjorg Maurer), Osvino Schneider (Moleiro Klos),
Reinwald Schnorr, Eldo Ivo Klein (Velho Grisalho), Claudete Gerhard Pinto (Mulher de Pedro Serrano), Fredolino Joaquim da Silva (Mula Jakob), Anivo Wolff (Martin Kassel),
Erny Hoff (Farmacêutico Fritsch), Eslávia Haag (A Capataz), Nair L. de Oliveira (Cozinheira), Renato Arnold (Ordenança), Adelmo Trott (Banqueiro Ignacio), Tito Lívio (Prefeito), Rita Inês de Oliveira (Ajudante da venda), Pablo Vives (Missionário), Tadeu Scopelli (Vendeiro).
Também participaram: Bruno Schotte Auler, Carlos A. Jacobus, Debora Finger, Dorlai Schumacher, Edmundo Baum, Edy Schäffer, Eno Feiten, Ernani Haag, Ernani Schmidt, Flavio Morbach, Geila Gerhard, Germano Ehrensperger Neto, Hanna Bettina Götz, Heinrich Lanz, Herta Feldmann, ? Hugenthobler, ? Oberherr, Ivo Morbach, João Resch, Julita Hoff, Lisa Daudt, Magali Hoff, Maria Schotte-Auler, Mauro Harff, Mirtes Blum, Noeli Feiten, pastor Roth, Roberto Lehn, Willy Kohlrausch, Zaira Machado.
Crianças: Aline Haag, Donato Finger, Laís Bodanzky, Lisane Kohlrausch, Luis Augusto, Luis Henrique, Luis Hugenthobler, Maria Zimmer, Marta Haag, Martin Haag, Mathias Engel, Monica Engel
DIREÇÃO
Direção: Jorge Bodanzky, Wolf Gauer.
ROTEIRO
Roteiro [Buch]: Wolf Gauer.
Tradução do roteiro: George Sperber.
PRODUÇÃO
Produção executiva: Otto Engel.
Equipe de produção: Renato Arnold, Geila Gerhard, Aradis Groess, Mirtes Blum, Vitali Bachtin, Carlos Finck, Sylvia Bahiense, Ursula Bieler, Marina Altenfelder, Guilhermina Martins, Elly Opitz Blum.
Assistência de produção: Izoni Martins.
FOTOGRAFIA
Direção de fotografia: Jorge Bodanzky.
Assistência de fotografia: Chico Mou.
SOM
Som direto: Ismael Cordeiro.
ARTE
Cenografia e figurino: Dorlai Schumacher.
Efeitos especiais: Vitali Bachtin, Gilberto Marquez.
Maquiagem e cabelo: Artur Manuel de Oliveira.
FINALIZAÇÃO
Montagem: Reinaldo Volpato.
Letreiros: Beth Corrêa, Fernando P. Monteiro.
Legendas em português: Christina Motta Maia.
Mixagem: Walter Rogério.
EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS
Película: Kodak Eastmancolor.
Laboratórios de imagem: Revela S.A. Laboratório Cinematográfico (São Paulo); Kressling?.
Estúdio de som: Stop Som (São Paulo).
MECANISMOS DE FINANCIAMENTO
Companhia produtora: Stop Film (São Paulo); Embrafilme Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Rio de Janeiro).
Coprodução (não creditada): ZDF Zweites Deutsches Fernsehen (Berlin, Alemanha Federal).
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a colaboração dos habitantes e das prefeituras de Novo Hamburgo, Sapiranga, Jakobstal, Ivoti, Dois Irmãos, Taquara e São Leopoldo, Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, Grupo O Fogão Gaúcho de Taquara,
Quartel General do III Exército [atual Comando Militar do Sul], 16º Grupo de Artilharia de Campanha de São Leopoldo, Arsenal de Guerra (General Câmara), 3º Batalhão e Academia de Polícia Militar (Novo Hamburgo), 8º BPM Batalhão de Polícia Militar (Taquara), Lena Coelho Santos, Pastor Erdmann Goetz, dr. Klaus Becker, dr. Günther Weimer, famílias Gerhard, Kohlrausch, Biere, Oberherr, Lanz, Panzenhagen e Geyger Filho.
FILMAGENS
Brasil / RS, em Sapiranga, no Morro Ferrabraz, nos locais onde aconteceram os fatos reais.
ASPECTOS TÉCNICOS
Duração: 1:47:16 (YouTube)
Metragem: 1.155 metros (cópia 16 mm na Cinemateca Brasileira)
Número de rolos:
Som:
Imagem: cor
Proporção de tela: 1.33
Formato de captação: 16 mm
Formatos de exibição: 35 mm
Idioma: Português e Hunsrückisch (dialeto alemão), com legendas em português.
DIVULGAÇÃO
Cartaz: 93 x 64 cm. Arte: Fernando Pimenta. Exemplar na Cinemateca Brasileira.
Release:
PREMIAÇÃO
• 7º Festival do Cinema Brasileiro de Gramado 1979: melhor direção + atriz (Saueressig) + cenografia.
• Prêmio Air France de Cinema 1979: melhor filme + direção.
• II Prêmio São Saruê / Federação de Cineclubes do Rio de Janeiro 1979.
DISTRIBUIÇÃO
Classificação indicativa: 16 anos.
Distribuição: Embrafilme Empresa Brasileira de Filmes S.A. (Rio de Janeiro).
VHS: Distribuição: Rio de Janeiro: Globo Video, s.d.
OBSERVAÇÕES
Os outros quatro filmes da Mostra Competitiva de Longas do Festival de Gramado são: Diário da província (Roberto Palmari), Inquietações de uma mulher casada [ex-Briga de foice] (Alberto Salvá), Raoni (Luiz Carlos Saldanha, Jean Pierre Dutilleux) e A Volta do filho pródigo (Ipojuca Pontes).
Os ganhadores do Prêmio Air France de Cinema de 1979 foram anunciados em 14 de abril de 1980, segunda-feira. Júri formado por 16 críticos de jornais e revistas do Rio e São Paulo. Os outros premiados são: atriz: Monique Lafond (Eu matei Lucio Flavio), ator: Anselmo Vasconcellos (República dos assassinos), prêmio especial: Geraldo Sarno por Coronel Delmiro Gouveia. Todos ganharam uma passagem de ida e volta do Rio ou de São Paulo a Paris, com direito de estender a viagem a Londres ou Roma, e uma estatueta. (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 abr 1980, p.18, n.7.) A entrega – junto com o Prêmio Molière de Teatro – foi no Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 29 de setembro de 1980, segunda-feira.
Os outros premiados com o São Saruê 1979 são Coronel Delmiro Gouveia (Geraldo Sarno), Cabezas cortadas (Glauber Rocha), Terra dos índios (Zelito Viana) e O País de São Saruê (Vladimir Carvalho), então liberado, origem do nome do troféu confeccionado pelo artista Valério Rodrigues.
Press-release indica a ampliação de 16 mm para 35 mm realizada em laboratórios alemães.
Títulos alternativos: Jacobine | Jakobine (DE)
Grafias alternativas: Marliese Saueressig | Ricardo Hoepper | Dorlai Schuhmacher (cf. créditos)
Grafias alternativas (funções): Kamera | Cabeleireiro
BIBLIOGRAFIA
SCHUPP S. J., P. Ambrosio. Die Mucker: eine episode aus der Geschichte der deutschen Kolonien von Rio Grande do Sul, Brasilie. Paderborn: Bonifacius-Druckerei, 1906. [Biblioteca Central PUCRS]
SCHUPP S. J., P. Ambrosio. Os Muckers: episodio historico extraído da vida contemporanea nas colonias allemãs do Rio Grande do Sul. 3.ed. Porto Alegre: Selbach, 1904?. [Biblioteca Central PUCRS]
SCHUPP S. J., P. Ambrosio. Os Muckers: a tragédia do Ferrabrás. 4.ed. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1993. Tradução da 3.ed. alemã. [Biblioteca Central PUCRS]
SCHUPP S. J., P. Ambrosio. Os Muckers – Episódio histórico extraído da vida contemporânea nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul. Brasília: Senado Federal, out 2004. 327p. Tradução brasileira autorizada pelo autor por Alfredo Cl. Pinto. (Edições do Senado Fedral, v. 32) [PDF: livraria.senado.leg.br]
PETRY, Leopoldo. O Episódio do Ferrabraz (Os Mucker) – Documentos para o estudo da história dos Mucker do Ferrabraz. São Leopoldo: Casa Editora Roermund, 1957. 2.ed. em 1966.
Guia de filmes – Lançados no Rio de Janeiro e em São Paulo entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 1979, Rio de Janeiro, 1981, p.27, n.79.
PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. História ilustrada dos filmes brasileiros 1929-1988. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989, p.189.
MATTOS, Carlos Alberto. Jorge Bodanzky – O homem com a câmera. São Paulo: Imprensa Oficial / Cultura-Fundação Padre Anchieta, 2006. 406p. il. (Coleção Aplauso Cinema Brasil)
Noticiário:
Os Mucker encerra hoje a Mostra Internacional no Cinema-1. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 nov 1978, Caderno B, p.9 [BN, p.54], ano LXXXVIII, n.225.
Os Mucker, atração depois da acusação de Glauber Rocha. Folha da Tarde, Porto Alegre, 27 jan 1979, p.33.
BARBARA, Danusia. Os Mucker – Quando a violência não está no bangue-bangue. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 abr 1979, Caderno B, p.1 [BN, p.34], ano LXXXIX, n.16.
COZZATTI, Luiz César (texto); GOIDA (arquivo e pesquisa). O massacre da seita do Ferrabrás revivido em Os Mucker. Zero Hora, Porto Alegre, 12 ago 1979, Revista ZH, p.4-5.
LAGE, Nilson. Documentário-ficção Os Mucker é o grande lançamento nacional da semana. Jornal de Caxias, 20 out 1979, Panorama, p.5 [BN, p.31], ano 7, n.349.
Crítica:
FERREIRA, Jairo. Os Mucker. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 abr 1979, Ilustrada, p.15.
FONSECA, Carlos. Filmando 'in loco' a história. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 maio 1979, Caderno B, p.2 [BN, p.36], ano LXXXIX, n.33.
GASTAL, P. F.. Os Mucker. Correio do Povo, Porto Alegre, 26 ago 1979, p.48, crítica reproduzida em Cadernos de cinema de P. F. Gastal, p.179-180.
COZZATTI, Luiz César. Os Mucker: a história desmistificada. Zero Hora, Porto Alegre, 31 ago 1979, ZH Variedades, p.2.
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Exibições
• São Paulo (SP), 2ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo [17-31 out], Auditório do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 30 out 1978, seg, 16h, 22h
• Rio de Janeiro (RJ), 2ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo [1º-19 nov], Cinema-1 (Av. Prado Júnior, 286), 19 nov 1978, dom, 20h, 22h
• Gramado (RS), 7º Festival do Cinema Brasileiro de Gramado [22-27 jan]-Mostra Competitiva Longa-metragem, Cine Embaixador, 26 jan 1979, sex
• São Paulo (SP), Belas Artes Sala Portinari, 16 abr 1979, seg, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
• São Paulo (SP), Ipiranga 2, 16 abr 1979, seg
• Rio de Janeiro (RJ), Novo Pax (R. Visconde de Pirajá, 351), 20 abr 1979, sex, 24h (pré-estreia)
• Rio de Janeiro (RJ), Cinema-1 (Av. Prado Júnior, 286),
7-13 maio 1979, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
14-20 maio 1979, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
21-27 maio 1979, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
• Niterói (RJ), Cine Arte UFF, 22-27 maio 1979, ter-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
• Rio de Janeiro (RJ), Cinema 3 (R. Conde de Bonfim, 229), 28 maio-3 jun 1979, seg-dom, 14h, 16h, 18h, 20h, 22h
• Rio de Janeiro (RJ), Lido 2 (Praia do Flamengo, 72), 4-11 jun 1979, seg-seg, 15h, 18h30, 22h
• Rio de Janeiro (RJ), Joia (Av. Copacabana, 680), 18-24 jun 1979, seg-dom, 14h30, 18h, 21h30
• Porto Alegre (RS), Scala, 17 ago 1979, sex
• Novo Hamburgo (RS), 17 ago 1979, sex
• São Leopoldo (RS), 17 ago 1979, sex
• Sapiranga (RS), 17 ago 1979, sex
• Caxias do Sul (RS), Cine Vêneto (Av. Júlio de Castilhos, 768, Bairro de Lourdes), 19-25 out 1979, sex, 20h15, sab, dom, 20h, 22h, seg-qui, 20h15
• Porto Alegre (RS), Mostra de filmes premiados em Gramado [21 mar-7 maio], Cinemateca Paulo Amorim-[Sala Paulo Amorim], 15 abr 1985, seg, 18h30, 20h30
• Porto Alegre (RS), Mostra Histórias da imigração [29 jul-3 ago], Sala P. F. Gastal, 29 jul 2014, ter (+ O Livro de Walachai, R. Zilles, debate com os diretores Gauer, Zilles e G. Perin e atriz Saueressig) + 31 jul, qui, 17h + 3 ago, dom, 17h
• YouTube, disponível desde 12 abr 2021 (cópia remasterizada)
• Porto Alegre (RS), Dia da preservação audiovisual, Cinemateca Capitólio, 27 out 2022, qui, 19h
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Arquivos especiais
MATTOS, Carlos Alberto. Jorge Bodanzky – O homem com a câmera. São Paulo: Imprensa Oficial / Cultura-Fundação Padre Anchieta, 2006. 406p. il. (Coleção Aplauso Cinema Brasil) p.205-215.
Sapiranga: pesquisando os Mucker
Lena [Coelho Santos] nos trouxe uma série de reportagens assinadas por Sérgio Coelho em O Estado de S. Paulo, em 1973, que despertou meu interesse para a história dos Mucker. Os colonos de origem alemã, descendentes dos fiéis da seita fundada pela mística Jacobina Mentz Maurer, na região de Sapiranga (RS), ainda dissimulavam suas raízes por causa de um estigma poderoso. A expressão "mucker" (santarrões, fanáticos) equivalia a um xingamento. Muitos não viviam mais na relativa miséria dos seus ascendentes, acuados e massacrados pela polícia em agosto de 1874, após uma guerra fratricida com outros colonos. Ao contrário, enriqueceram e tratavam o episódio como algo que desabonava sua imagem.
Pesquisando sobre o tema na Biblioteca de Munique, Wolf Gauer consultou jornais alemães da época e chegou ao que viria a ser a peça-chave do nosso filme: o livro Die Mucker, do jesuíta Ambrósio Schupp. Uma versão antagônica da história constava do livro O Episódio do Ferrabrás, de Leopoldo Petry. Com base nessas fontes, Wolf fez um roteiro, que apresentamos ao ZDF, dessa vez para um programa dedicado a longas de ficção não propriamente experimentais.
Já em 1977, em companhia de Wolf e Otto Engel, visitei Novo Hamburgo, Sapiranga e Campo Bom, onde viviam os descendentes dos mucker. Fizemos uma convocação ostensiva através de rádios e jornais. A princípio, eles se negavam a revolver essa parte do passado, que se assemelhava mais ao episódio de Canudos que às boas tradições de cepa germânica. Os avós do Wolf são da região original dos antecedentes dos Mucker (Nordpfalz e Hunsrück), na região do Mainz. Ele falava o dialeto Hunsrück, então quase desaparecido na própria Alemanha. Essa identificação ajudou a quebrar as resistências iniciais. Contamos também com a ajuda de pessoas que já haviam pesquisado o assunto no Museu de Novo Hamburgo, bem como de um pastor protestante que tinha uma visão distanciada do assunto. Aos poucos, fomos localizando os descendentes diretos pelos sobrenomes e obtendo sua adesão à nossa proposta.
Desde cedo abandonamos a hipótese de uma reconstituição convencional com atores conhecidos. Queríamos que os próprios camponeses fizessem os papéis de seus antepassados, sem alterar o seu estilo de vida rural, ainda muito semelhante ao do século XIX. E, naturalmente, que se expressassem no dialeto deles.
Essa viagem de cunho etnográfico forneceu novos e importantes elementos para o nosso roteiro. A versão corrente pintava os membros da seita como fanáticos sanguinários, protocomunistas e adeptos da promiscuidade sexual. Havia, de fato, um sentido religioso exacerbado em torno de Jacobina, assim como há evidências de que ela encarava o sexo com uma liberdade incomum para a época e a região. É certo também que eles reagiram com violência brutal à intolerância com que eram tratados, o que os levou a serem caçados como animais pelos outros colonos alemães e, finalmente, pelas forças policiais. Mas todos aqueles colonos, no fundo, eram iguais e igualmente isolados. Viviam dos mesmos meios econômicos. Foi a crença religiosa que motivou a separação dentro da colônia. Episódios semelhantes já haviam ocorrido na Alemanha e nos Estados Unidos, para onde emigraram camponeses da mesma fé.
Todo o roteiro foi discutido e afinado com pessoas do lugar. Jacobina era uma lenda muito viva na memória delas, assim como a perseguição sofrida por sua filha e por todos os que tinham mucker na família. O papel de Jacobina era um dos poucos a requerer uma atriz profissional. Mas tinha que ser alguém ligado à região e que pudesse falar o dialeto. Por sorte, vimos Marlise Saueressig numa peça do Teatro de Arena de Porto Alegre. Gostamos de sua atuação e do seu porte físico. Para nossa surpresa, ela também era uma descendente de mucker e nos ajudou muito na concepção do filme, na adequação das falas, no contato com os camponeses, etc.
Bem antes de definirmos essa proposta documental para Os Mucker, Wolf consultou a atriz Liv Ullmann, já que ela havia atuado no filme sueco Os Emigrantes [Utvandrarna, Jan Troell, 1971]. Ela pediu o roteiro e gostou, mas já tinha compromissos com o teatro nova-iorquino. Wolf achava que era apenas uma desculpa gentil, mas o fato é que ela mencionou o convite em sua biografia. Segundo Wolf, também Ingrid Bergman teria considerado a possibilidade de interpretar a mística de Sapiranga, mas sob a direção de seu marido Roberto Rossellini, em 1955. Como esse, consta que mais de dez projetos já teriam tentado levar a saga dos Mucker para o cinema.
Época sem épica
Sapiranga, situada ao pé do morro do Ferrabrás, é hoje um dos pontos prediletos dos saltadores de asa-delta. Mas naquele início de 1978 era apenas uma pequena vila meio misteriosa, cercada por floresta selvagem, evitada pelas pessoas por ser "a terra dos mucker". Não havia hotel, daí que nos hospedamos em São Leopoldo. O prefeito de Sapiranga, Remi Jorge Zimmer, facilitou o que pôde e chegou a atuar como intérprete em algumas ocasiões. Filmamos em diversas casas da época de Jacobina. A cidade inteira participou da produção, cedendo roupas, móveis, utensílios e carroças para a cenografia, afinando as falas e detalhes das cenas. Os camponeses escolhidos para o elenco estavam representando a si mesmos ou algo muito próximo do que eram. Eles é que davam as palavras finais aos seus diálogos. Em grande parte, escolheram os próprios papéis.
Foi o caso de Helena Hill-Mentz, bisneta de uma irmã de Jacobina, que já se apresentou dizendo, decidida: "Eu sou a mãe de Jacobina".
A jovem Carla Saueressig, prima da Marlise, fazia o papel de Maria. Numa cena, o namorado abre sua blusa, deixando os seios à mostra. A mãe da moça procurou-me depois, não para exigir o corte da cena, como eu temia, mas para pedir que não deixasse sua filha engravidar. Prometi-lhe solenemente. O problema é que Carla e Ricardo Hoeper estavam começando de fato a namorar e tiveram que redobrar os cuidados para que meu compromisso fosse honrado.
Não havia exatamente uma preparação de atores. Deliberadamente, preferíamos que os colonos não "atuassem". Wolf, encarregado dessa parte da direção, passava-lhes as orientações básicas sobre espaço e relação com a câmera – muitas vezes em Hünsruck, com os que mal falavam português. Àquela altura, uma curiosa inversão já ocorrera: em lugar de resistirem à ideia do filme, como no início, eram eles que nos procuravam, orgulhosos de serem mucker.
Era época de férias escolares e a Laís passou uma temporada comigo no sul. Na cena do baile, há um rápido close dela dançando entre outras meninas. Paulo César Pereio e José Lewgoy representavam a oficialidade brasileira no episódio. Ao papel do cafajeste Capitão Dantas, Pereio aportava sua proverbial ironia e ajudava a distanciar um pouco as coisas do século XIX e evocar fatos que se repetem no Brasil constantemente. E não só no Brasil: naquele ano, o mundo tinha sido abalado pelo suicídio em massa dos seguidores de Jim Jones na Guiana.
Nossa proposta nada tinha a ver com os épicos históricos então em voga no cinema brasileiro. Era uma produção simples, filmada em 16 mm com o mesmo equipamento que tínhamos usados nos dois longas anteriores. A história de Jacobina continuava muito imprecisa e nós não pretendíamos esclarecê-la de vez. Queríamos ser imparciais sem nos omitir.
Mais que um relato fiel dos acontecimentos, estávamos interessados na interpretação deles. Em vez de mostrar a violência, queríamos examinar os seus mecanismos pela ótica da psicologia social.
A simplicidade estendia-se à banda sonora, formada unicamente de ruídos do ambiente e sons da floresta, captados em som direto por Ismael Cordeiro, sem trilha musical. Som direto de época é sempre um grande desafio técnico. Tínhamos que fechar a estrada e as ruas próximas para não deixar passar ronco de carro. Era preciso estar atento a qualquer ruído de motosserra, mesmo o mais distante, que ecoava por todo o vale. Acho que fiz ali um dos meus melhores trabalhos de iluminação, justamente porque trabalhei com muitas cenas noturnas e pouquíssima luz, procurando ser fiel às condições primitivas em que eles viviam no século XIX.
Ao contrário de Iracema [Iracema – Uma transa amazônica, Jorge Bodanzky, Orlando Senna, 1974] e Gitirana [Jorge Bodanzky, Orlando Senna, 1975], Os Mucker foi revelado, montado, finalizado e teve seu negativo ampliado para 35 mm no Brasil. Para mim, a normalidade era uma bela novidade. Iracema e Gitirana permaneciam no limbo dos cineclubes enquanto Os Mucker chegava ao seu destino sem percalços. O filme estreou no Festival de Gramado, em janeiro de 1979, com muitos "muckers" envaidecidos na platéia e os prêmios de melhor direção, melhor atriz e melhor cenografia. Passou em mostras internacionais de cinema no Rio e em São Paulo antes de ser lançado nos cinemas, a partir de abril de 1979. As críticas foram excelentes e, com apenas quatro ou cinco cópias, apesar da distribuição precária da Embrafilme, fizemos cerca de 140 mil espectadores.
Curiosamente, pensamos em dar ao filme o título de Jacobina no Brasil, enquanto esperávamos que os alemães optassem por Die Mucker. Foi justamente o contrário. Na Alemanha, passou como Jakobine. E para ser bem compreendido, precisou de legendas em alemão corrente.