Prepúcio é o primeiro longa-metragem da Laralto Produções, uma pequena empresa porto-alegrense que começou a trabalhar com audiovisual em 2007. Sem visar fins lucrativos, os responsáveis passaram a se reunir com regularidade a partir de então, a fim de gerar produções de cunho mais artesanal ou alternativo, que dialogassem com a própria história da família. No passado, o dentista e cineasta amador Bruno Hochheim (1914-1992) havia sido um dos pioneiros da cena cinematográfica local.

Na década de 1950, Hochheim vinculou-se ao Foto-cine Clube Gaúcho (espécie de embrião das faculdades de cinema do Rio Grande do Sul) e abriu a própria produtora – a Rodelu, acrônimo de seus filhos Roaldo, Delmar e Lúcia – a fim de filmar e exibir os próprios trabalhos. Ele acabaria tornando-se um dos mais prolíficos diretores do período, acumulando mais de 30 créditos, nos gêneros de dramas, comédias e documentários, como Noite de terror (1960) – apontado como o mais antigo filme de horror do estado. Na época, essas ficções eram rodadas na casa da família (Rua Zamenhoff, no bairro São João), com a participação de vizinhos e parentes, durante os finais de semana.

O legado de Bruno foi abraçado e levado adiante por seu neto, Thomas Hochheim, formado em cinema pela PUCRS Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Utilizando a alcunha artística de Thomas Laralto, ele liderou uma equipe muito ativa, que concluiu entre 2007 e 2024 mais de 50 filmes independentes, abrangendo dois longas, sete médias e 41 curtas-metragens (em 2007 Thomas dirigiu 18 curtas!). O nome da empresa atual, Laralto, é uma tradução do próprio sobrenome da família, já que Hochheim equivale a "Alto lar", em português. A adaptação serviu para criar uma marca mais sonora, de fácil compreensão para o público. Os conteúdos seguiram as lições deixadas pelo avô, unindo espírito colaborativo e experimental.

Embora pouco conhecida fora do círculo social dos Hochheim, esta produção chegou a ser exibida em espaços públicos como a Sede Campestre da AJURIS Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. E resultou na criação do Laralto Awards, cerimônia regular de premiação organizada por eles, que contempla distinções aos melhores desempenhos da equipe, abrangendo categorias como ator, atriz, roteiro, montagem, direção etc.. A existência de iniciativas como essa representa mais uma das tantas histórias do cinema gaúcho, e serve de inspiração para as futuras gerações de realizadores, amadores ou profissionais.

Prepúcio é um drama de cunho religioso, que acompanha a saga de Nicolas Santiago. Solteiro, sem filhos e com dificuldades de relacionamento interpessoal, ele é um homem solitário na faixa dos 30 anos, que não sabe qual rumo seguir na vida. A religião aparece como uma grande tábua salvadora, e faz com que ele passe a frequentar cultos em busca de uma maior iluminação espiritual. Levando cada vez mais a sério o assunto, Nicolas chega a se ausentar do convívio com a sociedade, indo morar no meio da natureza. A jornada do protagonista inclui diálogos com um misterioso personagem, que se define como "Enviado de Deus". Esse indivíduo afirma que Nicolas foi escolhido para cumprir uma importante missão na Terra, capaz de fazê-lo atrair multidões. A partir de certo momento, Nicolas passa a ouvir uma voz divina, que seria a do próprio Criador. Há só um detalhe: para comprovar sua adesão à fé, o herói precisará cortar um pedaço de sua própria pele (o prepúcio), num importante ritual de sacrifício. A cena foi feita com um pedaço de carne da cena do churrasco no dia anterior.

Além de aproveitar as múltiplas externas em locais públicos, como as paróquias Nossa Senhora da Assunção e Nossa Senhora das Graças (em Porto Alegre), a trama fez uso de muitos ambientes internos frequentados pela própria família, numa marca registrada de toda a produção da Laralto. Durante as filmagens, Thomas sofreu um acidente: queimou a própria mão na água fervente de uma pia. No mês de seu lançamento, uma versão em preto-e-branco da história foi montada – mas pouco circulou. O segundo longa-metragem da empresa só seria lançado dez anos depois: A Destruição que vivemos (T. Laralto, 2021), também abordando o tema do fanatismo religioso.