Amarga hospedagem (2012)
Brasil (RS)
Longa-metragem | Ficção
cor, 65 min
Companhia produtora: Clandestina Produções
Primeira exibição: Porto Alegre (RS), Mostra A Vingança dos Filmes B – Parte 2 [23-25 nov]-Sessão Trash'O'Rama, Sala P. F. Gastal, 24 nov 2012, sab, 17h30 (+ Cachorro do mato, Maurício Ribeiro, 15 min) (debate com C. Guidugli)
Este é o primeiro longa-metragem de Cláudio Guidugli, expoente do cinema de baixo orçamento produzido no Rio Grande do Sul ao longo da década de 2010, quase sempre enveredando pelo gênero fantástico. Sua estreia atrás das câmeras havia sido em 2009, com o curta O Atirador de facão (codireção: Alini Batisti), mas o primeiro contato com o audiovisual havia sido como ator no média Soul Crusher II – A vingança do homem coisa (Cristian Verardi, 1999). Verardi sempre foi a sua principal fonte de inspiração, já que ambos cresceram juntos na cidade de Roca Sales, no Vale do Taquari, compartilhando uma grande amizade. A bem sucedida trajetória do parceiro em Porto Alegre estimulou Guidugli a tentar seguir seus passos, embora tardiamente, e dentro das condições possíveis. Amarga hospedagem foi gravado através de uma câmera cybershot, com orçamento zero e elenco amador. A protagonista Franciele Cacimiro é a esposa do diretor.
A trama gira um torno de um grupo de ciclistas, que cai nas mãos de um homem psicopata, capaz de prendê-los em um chiqueiro – como se fossem porcos. O roteiro guarda alguma semelhança com o famoso episódio dos Crimes da Rua do Arvoredo – dada a presença de um sádico que mata pessoas e transforma seus restos em carne de linguiça, pronta para ser comercializada. Em sua defesa, o indivíduo alega que estaria protegendo as fazendas locais, visadas por uma gangue de saqueadores. As mortes são violentas (incluem tiros de rifle, machados e motosserras).
Em depoimento concedido ao pesquisador Rodrigo Figueiredo Nunes, o realizador Cláudio Guidugli compartilhou histórias de bastidores, vindo a afirmar que este é o seu trabalho favorito: "Ele é especial por ter me ensinado muitas formas de se fazer um filme, abreviou o caminho que se percorre pra se poder chegar com mais facilidade no processo montagem-efeitos-luz e tal. Nele, usei armas com balas de verdade, tiros reais, ficávamos protegidos atrás de árvores ou tábuas grossas e dávamos tiros, imaginava que era assim que faziam os filmes. Eu prendia as algemas com uma chave, mas, numa ocasião, perdemos a maldita chave num monte de serragem, e um ator ficou preso de verdade! Foi um desastre psicológico, chamamos à polícia pra abrir as algemas que me tinham sido emprestadas, eu na carona pela estrada mostrando o caminho, pessoas olhando a viatura indo em direção ao local que antes ouviu-se tiros. Também filmamos numa Sexta-Feira Santa e fomos atacados por um formigueiro sem precedentes, o elenco teve de tirar todas as roupas pra se livrar do inseto, depois ainda tinha de convencê-los a continuar pois, quando poderia reunir todos outra vez? Hoje em dia, é um pouco mais fácil com os efeitos que finalmente conheci e pretendo utilizar".
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Sinopse
Epígrafe: // "Acostuma-te à lama que te espera, o homem, que, nessa terra miserável, mora, entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera". – Augusto dos Anjos. //
No interior de Roca Sales, um grupo de ciclistas se dispõe a percorrer uma trilha de mountain bike. No meio do caminho, os indivíduos são sequestrados pelo Dr. Vitor, um cidadão violento que os trata como se fossem bichos, inclusive alimentando-os com ração animal. Dr. Vitor trabalha para um misterioso vendedor de seguros da cidade, envolvido em atividades criminosas que incluem a chantagem de seus próprios clientes. Uma das pessoas lesadas descobre tais conexões, e pretende aproveitar a oportunidade para se vingar dos dois homens.
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Ficha técnica
ELENCO
Franciele Cacimiro,
Roberto Alexandre Fagundes de Paula.
Participação:
Diego Engster, Matheus Queiroz, Everton S. de Abreu, Jonathan Budke,
Matheus Polsein, Juliano B. da Costa, Cláudio Guidugli (Seu Ordon).
Coadjuvantes: Rafael Horst, Elton Costa, Jandir Fragata, André M. de Souza, Sandro Erich, Lourdes Nunes, Adilar.
DIREÇÃO
Direção: Cláudio Guidugli.
ROTEIRO
Roteiro: Cláudio Guidugli.
PRODUÇÃO
Produção e produção executiva: Cláudio Guidugli.
FOTOGRAFIA
Direção de fotografia: Cláudio Guidugli.
ARTE
Figurino: Cláudio Guidugli, Franciele Cacimiro.
Maquiagem e efeitos especiais: Cláudio Guidugli, Cristian Verardi, Franciele Cacimiro.
SOM
Som direto: não creditado.
MÚSICA
Seleção musical: Cláudio Guidugli.
Músicas (não creditadas):
• "She's just killing me" por ZZ Top
• "II Buono, ii brutto, ii cattivo" (Ennio Morricone) por Hugo Montenegro and His Orchestra // [II Buono, ii brutto, ii cattivo – Colonna sonora originale, 1966]
• "Closer" por Kings of Leon
• "Laserbl'ast!" por Fu Manchu
• "Threnody to the victims of Hiroshima (1959-61)" por Krzysztof Penderecki & Polish Radio National Symphony Orchestra
• "Killing just for fun" por Tito & Tarantula
• "The Creep out" por The Dandy Warhols
• "A Silhouette of doom" (Ennio Morricone) // [Navajo Joe – Original motion picture soundtrack, 1974]
• "Rabbia e tarantela" (Ennio Morricone)
• "The Batman theme" + "Up the cathedral" + "Descent into mystery" (Danny Elfman) por Danny Elfman & Sinfonia of London // [Batman – Original motion picture score, 1989]
• "Elevator madness" (Danny Elfman) por Danny Elfman // [Extreme measures – Original motion picture soundtrack, 1996]
• "L'Uomo dell'armonica" (Ennio Morricone) // [C'Era una volta il west – Colonna originale del film, 1968]
• "Battle of the mounds Pt.1" (Basil Poledouris) // [Conan the barbarian, 1982]
• "Main title" (Trevor Jones) // [The Last of the mohicans, 1992]
• "Tiger Tank" (Lalo Schifrin) // [Kelly's heroes – Music from the original soundtrack, 1970]
• "Hello Zepp" + "Overture" (Charlie Clouser)
• "La Resa dei conti" (Ennio Morricone) // [Per qualche dollaro in più, 1965]
• "Back bile" por Joseph Bishara
• "Per un pugno di dollari" + "Titoli" (Ennio Morricone) // [Per un pugno di dollari – Colonna sonora originale, 1964]
• "Wake up" por Rage Against the Machine
• "Can't stop me now" por Goose
• "Psycho theme" (Bernard Herrmann) // [Psycho, 1960]
ARQUIVO
Citações:
FINALIZAÇÃO
Montagem: Cláudio Guidugli.
Efeitos sonoros: Cláudio Guidugli.
EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS
Câmera: Cybershot.
MECANISMOS DE FINANCIAMENTO
Companhia produtora: Clandestina Produções (Roca Sales).
FILMAGENS
Brasil / RS, em Roca Sales.
Período: 2011.
ASPECTOS TÉCNICOS
Duração: 1:05:05
Som:
Imagem: cor
Proporção de tela:
Formato de captação:
Formato de exibição:
DIVULGAÇÃO
Assessoria de imprensa:
Trailer. Duração:
DISTRIBUIÇÃO
Classificação indicativa:
Contato:
OBSERVAÇÕES
Embora exista uma versão com créditos no YouTube, Guidugli afirma que desconhece a procedência, que a versão oficial tem apenas créditos para companhia produtora, os dois protagonistas, título e direção.
Complementação aos créditos:
Títulos alternativos:
Grafias alternativas: Jhonaham A. Budke | André Machado de Souza
BIBLIOGRAFIA
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Exibições
• Porto Alegre (RS), Mostra A Vingança dos Filmes B – Parte 2 [23-25 nov]-Sessão Trash'O'Rama, Sala P. F. Gastal, 24 nov 2012, sab, 17h30 (+ Cachorro do mato, Maurício Ribeiro, 15 min) (debate com C. Guidugli)
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Arquivos especiais
Entrevista por e-mail (verão 2021) com o diretor Cláudio Guidugli, feita pelo jornalista Rodrigo Figueiredo Nunes para sua pesquisa sobre o cinema fantástico gaúcho:
1- Como começou o interesse pelo cinema?
Acho que ele me dava um escape à maneira bruta que a vida rural me ofereceu, fui criado trabalhando desde pequeno, mais à frente muitos me perguntaram "Você não teve infância?". Eram poucos os momentos de fuga, de salvação daquela vida difícil, sair correndo da escola por quilômetros para poder por um tempo assistir Spectreman (スペクトルマン Supekutoruman, Souji Ushio, 1972, JP), isso deu-me gosto pelo troço. Naturalmente, assim como na leitura, tu vai querendo mais, minha veia mesmo são os filmes de ação dos anos 1980. Nos anos 1990, tive a sorte de conhecer/estudar com o amigo Cristian Verardi, o cara foi minha maior influência, me apresentou ao cinema de fato, formamos um grupo que frequentava a casa dele nos finais de semana, era um Q.G. Ali, assistíamos filmes, tinha de tudo, revistas, livros, discos, era "o ponto" pra mim, ali me criei, virei gente, separei o joio do trigo. Esperávamos as fitas do Petter Baiestorf/Dennison Ramalho (não tem fim essa lista) quanto mais estranho/esquisito/nauseante/trash/tosco e todos esses adjetivos estivessem presentes no filme, melhor. Mais para frente, o Cristian resolveu dirigir um filme (Soul Crusher II – O retorno do homem coisa, 1999). Foi nessa ocasião que tomei gosto pela sétima arte.
2- Teve alguma formação na área do audiovisual?
Não, não tive oportunidade de estudar, não tenho nenhum tipo de formação "infelizmente". Aconteceu por eu gostar muito de filmes e pela persistência. Obviamente gostaria de ter aprendido as técnicas certas pra realizar a junção (da imagem + som) com sensibilidade, tratar com carinho imagem/som/luz, pra entregar algo que eu, no lugar do outro, também gostasse de ver entende? Ao menos rir daquilo... Porém, não tive o prazer de participar dessa aprendizagem, esbarrei nos empecilhos que a vida nos impõe, na falta de equipamento adequado, um pouco em minha própria acomodação. O "pouco que sei" aprendi olhando filmes, recebendo dicas, ouvindo críticas, acho que as críticas (como as dicas) ajudam bastante quando vindas de alguém entendido, tive/tenho sorte nesse caso, então filtro tudo isso, não deixo de lado uma zoeira, até gosto de ser zoado... acima de tudo estou nisso pela diversão, rio de mim mesmo, estou nessa pela alegria, por entender que não foi em vão no fim das contas, aquela história "tá registrada no arquivo", na rede. Tem caras que participaram de meus filmes e já morreram, familiares desses caras me procuram ainda hoje e agradecem pelas lembranças deixadas, assim como eu pessoalmente me sinto um pouco melhor por não ter me tornado tão inútil, optei por gastar meu pouco tempo livre com uma câmera fotográfica na mão e umas bobagens na cabeça.
3- Como é o seu processo de trabalho para fazer os filmes?
Uso o recurso da insistência, do improviso. Muitas foram as vezes em que, no meu trabalho (setor calçadista), aproveitei os minutos em que não havia serviço para anotar alguma ideia que me ocorria. Não gosto de conversar, sou introvertido, vivo meus pensamentos. Por vezes, ao bater uma lembrança de um filme, uma notícia, uma leitura de algo legal, desenvolvia ela de outra forma, guardava esses rabiscos e quando dava, filmava – num impulso! Não tenho equipamento, zero tecnologia, é raiz 100%, entende? Quanto à gurizada, a gente passa experiências traumatizantes ao combinar com "amigos" horário/dia/local etc, mas, você vai vendo que somente alguns se interessam por essa brincadeira, são muitas caminhadas perdidas por alguém faltar, cenas que teriam sido melhores se você não tivesse usado o mesmo ator lhe botando um disfarce, fazendo homem virar mulher e vice-versa por ter tido a falta da pessoa no dia, são inúmeras falhas que poderiam ter tido melhor resultado, é FANTÁSTICO mesmo que dê algum resultado positivo no fim das contas. E, aos que não ajudam, não lhes tiro à razão, não temos cachê, existem riscos de se machucar, você não pode cobrar as pessoas "Hei! Sai do sofá, vamos lá no mato fazer uma cena que tu vais tomar um banho de groselha (com chocolate), aguentar os mosquitos até eu filmar a tua morte". Te afirmo, é uma vitória tentar levar algumas boas almas nessa rota.
4- Como foi a repercussão, recepção dos seus filmes?
Não que eu saiba, as chances para isso são remotas, poucas salas, pouco incentivo, agora então, nesse momento cultural que vivemos, mesmo com gente que apoia ou estimula, é catastrófico o interesse dos responsáveis nesse quesito. Reitero; tive/tenho esse grande parceiro, o Cristian Verardi. Quando teve condições, ele sempre me apoiou, espalhando, divulgando, levando os filmes que fiz para um local que jamais imaginei que fossem chegar (uma sala de cinema), fui ás lágrimas ao ver o Síndrome de lobisomem (2014) na tela grande! Relembrei todas as dificuldades que passamos, percebi reações das pessoas se divertindo durante a projeção, àquilo foi marcante, já havia sido o máximo ver o nome do filme na lista da Mostra dos filmes B, imagina então alguém gabaritado dizer pra você: "Olha! Teu filme tem uma das melhores aberturas de filme que assisti!". Eu me senti honrado lá ao lado de caras que eu admiro.
5- Tens filme favorito, da sua carreira?
Amarga hospedagem (2012). Ele é especial por ter me ensinado muitas formas de se fazer um filme, abreviou o caminho que se percorre pra se poder chegar com mais facilidade no processo montagem-efeitos-luz e tal. Nele, usei armas com balas de verdade, tiros reais, ficávamos protegidos atrás de árvores ou tábuas grossas e dávamos tiros, imaginava que era assim que faziam os filmes. Eu prendia as algemas com uma chave, mas, numa ocasião, perdemos a maldita chave num monte de serragem, e o ator ficou preso de verdade! Foi um desastre psicológico, chamamos à polícia pra abrir as algemas que me tinham sido emprestadas, eu na carona pela estrada mostrando o caminho, pessoas olhando a viatura indo em direção ao local que antes ouviu-se tiros. Também filmamos numa Sexta-Feira Santa e fomos atacados por um formigueiro sem precedentes, o elenco teve de tirar todas as roupas pra se livrar do inseto, depois ainda tinha de convencê-los a continuar pois, quando poderia reunir todos outra vez? Hoje em dia, é um pouco mais fácil com os efeitos que finalmente conheci e pretendo utilizar.
6- Comente o processo de criação do personagem principal de Síndrome de lobisomem?
Ele (aquele menino) do filme vive uma vida no interior, de certa forma me representa, já que eu queria um personagem que mostrasse para muitos (sem alternativas), o lado das crianças sem brinquedos, que passaram por alguns maus bocados como eu passei na infância. Quis que ele criasse, imaginasse um mundo pra si, sem traumas, onde ele podia ter sido um super-herói, podia ter sido outro ser, um fantasma, mais, ou menos assustador, mas a ideia era ele ter uma armadura e com ela enfrentar as dificuldades. O lobisomem é sua armadura, seu disfarce, se você olhar com bons olhos, sentirá até pena dele em certa parte do filme, porém, em sua mente, ele é forte, assustador, um ser que impõe e exige respeito. Queria que fosse palpável, que pudesse expor toda a loucura que cada um tem dentro do cerne e na maioria das vezes fica guardada lá pra sempre, objetivamente quanto mais humano, mais assustador, tanto para o bem quanto para o mau, claro que a gente deseja que seja para o bem. Tenho lembranças da infância, visões do mato de árvores altas, da noite quieta e ao mesmo tempo inquietante, barulhos longínquos, agudos, lancinantes que me amedrontavam enormemente, paralisando o corpo, a respiração, não queria ser descoberto/pego numa casa sem luz elétrica, por esse ser estranhamente mau que é o monstro, mas que podia ser um simples sentimento represado de um acontecimento que a gente passa. Filmes como Um Lobisomem americano em Londres (An American werewolf in London, John Landis, 1981, UK-US) ou A Companhia dos lobos (The Company of wolves, Neil Jordan, 1984, UK) marcaram minha vida, são trabalhos com exuberante criatividade e poucos recursos. Ao meu amigo Cristian Verardi, que inventou esse passatempo (realizar filmes), aqui nessa cidade (Roca Sales) sem atrativos e com enorme torcida pra você "se ferrar", foi que tive a intenção de prestar essa simples homenagem com R$ 200,00 de orçamento e muito amor pelo cinema.