Canibais & solidão (2006)
Brasil (RS)
Longa-metragem | Ficção
DVD, cor, 103 min
Companhia produtora: Necrófilos Produções Artísticas
Primeira exibição: Carlos Barbosa (RS), Cine Ideale, 25 jun 2006, dom, 20h30
Embora sua trajetória no cinema gaúcho seja marcada pelos filmes fantásticos, o realizador Felipe do Monte Guerra nunca escondeu o seu apreço pelas comédias. Desde a sua estreia, com o média-metragem Patricia Genice (1995), passando pela sátira ao horror norte-americano em Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado (2001), Guerra nunca deixou de incorporar elementos humorísticos aos seus trabalhos, atingindo a sua melhor forma neste longa-metragem de baixo orçamento, realizado com muito empenho em sua terra natal (Carlos Barbosa). O enredo acompanha um trio de rapazes, na faixa dos 18 anos, que não faz muito sucesso com as mulheres – mas está disposto a tudo para perder a virgindade.
O protagonista é Rodrigo, um fã de filmes de horror com temática canibal, que não tem muito tato social nem paciência para lidar com garotas. Ele tem como principais amigos Marcelo e Eliseu, outros jovens com seus respectivos problemas de relacionamento com o sexo oposto. Marcelo tem o mesmo perfil de Rodrigo, embora prefira ver filmes pornográficos, enquanto Eliseu sofreu uma grande frustração amorosa no passado e nunca conseguiu se recuperar. Dispostos a alterarem o seu destino, os três se unem para articular uma série de planos capazes de lhes trazerem êxito afetivo, enfrentando situações tragicômicas. Tudo dá errado para os guris: as moças abordadas nas festas não estão interessadas, a contratação de um "professor" para lhes dar "dicas de sedução" é uma piada, as prostitutas que eles contratam revelam-se pouco atraentes.
Apesar do título, Canibais & solidão não é um filme de terror. Há apenas um breve diálogo com o assunto, por conta do comportamento de alguns personagens. Em função de uma certa tentação da carne, misturada ao interesse pelo canibalismo, Rodrigo chega a se imaginar comendo pedaços de corpos femininos (o que possui um caráter elogioso) ainda que seja incapaz de matar uma mosca. O ciumento Eliseu, por sua vez, ataca os namorados da irmã mais nova com um taco de beisebol, rachando suas cabeças – quando consegue pegá-los a tempo. Finalmente, há a figura da "Castradora", uma predadora sexual à solta na cidade, que está decepando órgãos genitais masculinos, assustando todos os homens – virgens ou não. Porém, tais situações são vistas de uma forma leve e descontraída, sem a intenção de assustar.
Em entrevista ao pesquisador Rodrigo Figueiredo Nunes, o diretor Felipe M. Guerra contou que este é o seu filme favorito, por ter sido o mais difícil de realizar e por conter traços autobiográficos. As filmagens começaram em 2003, logo após Mistério na colônia, com Luciano Huck, mas só foram concluídas três anos depois, em virtude de problemas técnicos como a falha da câmera VHS. Depois, quando 70% do material estava pronto, um dos atores se desligou do projeto, após brigar com a namorada – uma atriz do próprio filme. Como era um personagem importante, foi necessário recomeçar tudo do zero. Para o cineasta, a perseverança valeu a pena: "Eu não me arrependo de ter continuado. Já vi pessoas chorando no final do filme, e pessoas que não conhecem a mim, não conhecem os atores. Concluí que acertei alguma coisa, nesse filme. Porque, de fato, as pessoas entraram na história, é uma situação pela qual todo mundo já passou, esse negócio da pressão de perder a virgindade".
Como sempre acontece em sua filmografia, Felipe M. Guerra escalou familiares e amigos para compor o elenco, como o irmão Rodrigo M. Guerra, a avó Oldina do Monte ou o velho parceiro Eliseu Demari – que depois atuaria e faria a direção de um dos episódios de A Maldição do Sanguanel (2014). Na época de lançamento, por considerar a produção como uma comédia romântica e não terror, Guerra rejeitou a exibição no Fantaspoa, lançando Canibais & solidão apenas em DVD. Vendeu cerca de 150 cópias. A excelente trilha sonora, que mescla música clássica com melodias amorosas não foi oficialmente licenciada, o que inviabilizou uma carreira comercial.
| + || - |
Sinopse
História de três amigos, Rodrigo, Eliseu e Marcelo que querem perder a virgindade de qualquer maneira. Mas todos têm diferentes problemas: Eliseu teve uma decepção amorosa, Marcelo é um tarado que passa o dia vendo filmes pornôs e Rodrigo é retraído e gosta de passar seu tempo livre comendo pastelina (um salgadinho típico do sul) e assistindo filmes de canibais.
Sinopse desenvolvida:
Dois homens, vestidos com camisolas femininas, tentam descer do alto de um telhado. Com uma narração, um deles faz uma brincadeira: "Tenho certeza que vocês já passaram por uma situação parecida como essa. Para mim, tudo é uma grande novidade."
Após a exibição dos créditos de abertura, o narrador começa a se apresentar: se chama Rodrigo, tem 18 anos, e afirma nunca ter feito nada relevante na vida – nunca escreveu um livro, nunca namorou ninguém, nunca plantou uma árvore. Declara que sua principal diversão é ficar assistindo a filmes de terror que envolvam canibalismo, reproduzidos na televisão através de um videocassete. O programa é acompanhado pela ingestão de salgadinhos, como pastelina.
Rodrigo informa que tem amigos em situação parecida. Um deles é Marcelo, descrito como alguém solitário, virgem e desamparado. Só que Marcelo prefere ver vídeos pornôs. Outro parceiro é Eliseu, que aparece atirando em uma foto sua ao lado de uma ex-namorada, usando uma espingarda. Eliseu alcançou mais progresso que seus parceiros: teve um relacionamento sério por quatro anos. Com apenas um porém: não chegou a fazer sexo com a garota. Após o fim do vínculo, ela ainda transou com o primeiro homem que apareceu. O episódio gerou um trauma no rapaz, que nunca mais conseguiu ficar com nenhuma outra mulher.
Na frente de um computador, diante de uma mesa cheia de fitas de VHS (contendo títulos como Os Vivos serão devorados, Canibal Ferox), Rodrigo menciona que começou a colecionar esse conteúdo através da internet, após perceber que não tinha êxitos no campo afetivo, tampouco vida social. Mesmo que pouca gente goste dessas produções, Rodrigo diz que se sente "realizado" após terminar de assisti-las, entrando em um mundo particular, no qual ninguém poderia feri-lo. Por um instante, ele se vê como um personagem de filme, inclusive.
Em um sábado à noite qualquer, os três decidem sair juntos, a fim de tentarem a sorte com alguém. A estratégia é dar voltas de carro, esperando deparar com alguma moça bêbada e solitária que apareça pelo caminho. Rodrigo discorda do plano, mas segue no carro. A seguir, eles encontram três amigas, com garrafas de cerveja, na rua. Ao serem questionadas por Marcelo se poderiam estar procurando por vinte centímetros de prazer, elas respondem de modo conjunto: "Que nojo!". De modo mais educado, Eliseu pede desculpas pela proposta anterior e convida as meninas a saírem com eles. O convite é aceito, e todos vão parar dentro de uma casa, interagindo.
Rodrigo, porém, estraga o encontro ao não demonstrar paciência com a conversa de uma das moças, que havia perguntado sobre o programa de Luciana Gimenez. Após ele expressar sua dúvida acerca de "que horas poderia agarrá-la", pois já eram 5 horas da manhã, a visitante decide ir embora, levando as demais amigas junto com ela. Elas se sentem ofendidas pela insinuação de estarem ali apenas para transar. No dia seguinte, Rodrigo, Marcelo e Eliseu estão bêbados e cansados, após terem consumido enorme quantidade de álcool.
| + || - |
Ficha técnica
ELENCO
Rodrigo M. Guerra (Rodrigo),
Edna Costa (Edna),
Niandra Sartori (Niandra),
Eliseu Demari (Eliseu),
Cintia Dalposso (Cintia),
Leandro Facchini,
Daniela Vidor,
Fábio Prina da Silva (Marcelo),
Diego M. Guerra (Ido), Taísa Baldissera, Cristhiane Tomasini, Bethlem Migot, Bianca Bertotto, Daiane Baldasso, Giovana do Monte, Maristela Bergonsi, Tarcia Dalmás, Bruno Gelmini, Leonardo Zanuz,
Silvia Odibert, Germano Baldasso, Guilherme Tusset, Felipe M. Guerra.
Participação especial: Oldina do Monte, Álvaro Guerra, Raimundo dos Reis, Banda Wicca.
Voz no rádio: Leandro Facchini.
DIREÇÃO
Direção: Felipe M. Guerra.
ROTEIRO
Roteiro: Felipe M. Guerra.
FOTOGRAFIA
Operação de câmera: Felipe M. Guerra.
Fotografia de cena: Leandro Facchini.
ARTE
Defeitos especiais: Felipe M. Guerra.
Quebra-galho: Rodrigo M. Guerra.
Design: Eliseu Demari.
SOM
MÚSICA
Seleção da trilha sonora: Felipe M. Guerra.
Músicas (ordem de inserção, não creditadas):
• "Also sprach Zarathustra, op. 30" (Obertura) (música: Richard Strauss)
• "Be my baby" (Phil Spector, Ellie Greenwich, Jeff Barry) por The Ronettes [créditos iniciais]
• "Carmen. Acte I: L'amour est un oiseau rebelle" [Habanera] (música: Georges Bizet; libreto em francês: Henri Meilhac, Ludovic Halévy; ópera em 4 atos) por Maria Callas, Chorus
• "Peer Gynt Suite no. 1, op. 46: I. Morning mood. Allegretto pastorale" (Edvard Grieg) por Leonard Bernstein (regência)
• "What a wonderful world" (Bob Thiele, George Weiss)
• "??"
• "??"
• "I wanna be sedated" (Dee Dee Ramone, Joey Ramone, Johnny Ramone) por The Ramones
• "Yummy, yummy, yummy" (Arthur Resnick, Joey Levine) por Ohio Express
• "??"
• "Unchained melody" (música: Alex North, letra: Hy Zaret) por The Righteous Brothers
• "Vier letzte Lieder. IV. Im Abendrot" (música: Richard Strauss, texto: Joseph von Eichendorff) por Renée Fleming
• "Everyday" (Buddy Holly, Norman Petty) por Buddy Holly
• "In dreams" (música, letra: Roy Orbison) por Roy Orbison
• "The Lion sleeps tonight (Wimoweh)" (George David Weiss, Luigi Creatore, Solomon Linda, Hugo Peretti) por The Tokens
• "Heaven must be missing an angel (Pt. 1)" (Keni St. Lewis, Freddie Perren) por Tavares
• "5ª sinfonia" (música: Ludwig van Beethoven)
• "A Hard day's night (John Lennon, Paul McCartney), por The Beatles?
• "Messiah. Hallelujah Chorus" (Georg Friedrich Händel; oratorium)
• "??"
• "It's raining men" (Paul Jabara, Paul Shaffer) por The Weather Girls
• "??"
• "Heaven must be missing an angel" [reprise]
• "It's now or never" ["'O Sole mio!"] (música: Eduardo Di Capua, Alfredo Mazzucchi, letra em italiano: Giovanni Capurro; canzone napoletana; letra em inglês e adaptação: Aaron Schroeder, Walter Gold) por Elvis Presley
• (música: Antonio Vivaldi)
• "Girls just want to have fun" (música, letra: Robert Hazard) por Cindy Lauper
• "Teach me Tiger!" (música, letra: Nino Tempo) por April Stevens
• "Indiana Jones theme" (música: John Williams)
• "My heart will go on" (música, letra: James Horner) por Céline Dion
• "??"
• "Carmen. Suite no.1. Les Toreadors" (música: Georges Bizet; libreto em francês: Henri Meilhac, Ludovic Halévy; ópera em 4 atos)
• "Uma História" (Banda Wicca) por Banda Wicca
• "Only you (and you alone)" (música, letra: Buck Ram, Andre Rand) por The Platters (vocals): Tony Williams (first tenor), David Lynch (second tenor), Paul Robi (baritone), Herb Reed (bass), Zola Taylor; with orchestral accompaniment
• "Without you" (Tom Evans, Pete Ham) por Harry Nilsson
• "Don't get me wrong" (música, letra: Chrissie Hynde) por The Pretenders
• "Wouldn't it be nice" (Brian Wilson, Tony Asher, Mike Love) por The Beach Boys
• "William Tell. Overture" (música: Gioachino Rossini; ópera em 4 partes)
• "All by myself" (música, letra: Eric Carmen)
• "Happy heart" (James Last, Jackie Rae) por Andy Williams
• "Psycho theme" (música: Bernard Herrmann)
• "Blue moon" (música: Richard Rodgers, letra: Lorenz Hart) por The Marcels [créditos finais]
• "Be my baby" [reprise; créditos finais]
Com exceção de "Uma História", creditada, cf. créditos finais: "Todo o restante da trilha sonora foi usado sem autorização de seus autores".
ARQUIVO
Nos créditos de abertura você viu cenas de:
Cannibal holocaust (Ruggero Deodato, 1980, IT)
Os Vivos serão devorados
O Último mundo canibal (Ultimo mondo cannibale, Ruggero Deodato, 1977, IT)
Cannibal ferox (Umberto Lenzi, 1981, IT)
Filme: Ghost (Jerry Zucker, 1990, US) [DVD na TV, trecho com Patrick Swayze e Demi Moore]
Citações:
FINALIZAÇÃO
Montagem: Felipe M. Guerra.
Técnico de informática: Elton Demari
Créditos: Felipe M. Guerra
MECANISMOS DE FINANCIAMENTO
Companhia produtora: Necrófilos Produções Artísticas (Carlos Barbosa).
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos: Quito e Neusa Guerra (pelo "cenário"), atores recrutados de última hora, famílias Merlini e Sartori (pelas casas), Elton Demari (pela assistência técnica), Rafael Giovanella (pelo curso de captura), Rafael Dalcin (por cuidar da copa na festa), Guilherme Tusset (pelo som), Brigada Militar e Delegacia de Polícia,
Carolina Mayorga (pela paciência), Accarte e Proarte (pela força), site Boca do Inferno (pela divulgação), site Dissonância (pelo mesmo motivo), comunidade Canibais & solidão no Orkut, jornal Pioneiro (Janaína Silva e Marcelo Mugnol), Marcelo Milici e Renato Rosatti, a todos que compraram nossos outros filmes, Estudantek Futebol Clube,
Banda Wicca (por tocar no pior lugar possível), Clarissa Vieira Flores (pela cena cortada), Kátia Hoffelder Dalcin (por ser a 1ª Kátia), Larissa Mazocato (por ser a 1ª guria da Eletric), Tatiana Perera (pela ponta na 1ª versão do filme), equipe do Teledomingo, equipe do Fantástico, Cristiano Dalcin (por nos levar ao showbusiness), Túlio Milman (pelo espaço),
revista Set (por começar tudo), Luciano Huck (por acreditar no trash gaúcho), Rui Biriva, Renato 'Xexa' Bonadiman (pelo "motel"), Fernando Troian (por ressuscitar a câmera), Giovani Formentini (pela matança do porco), equipe do Portal 3 da Unisinos, videolocadoras barbosenses, Gisele Bündchen (por existir).
FILMAGENS
Brasil / RS, em Carlos Barbosa.
Período: 70% em 2003; novas filmagens e refilmagens (após a saída de um ator), até a finalização em 2006.
ASPECTOS TÉCNICOS
Duração: 103 min
Som:
Imagem: cor
Proporção de tela:
Formato de captação: VHS; Hi8
Formato de exibição: DVD
DISTRIBUIÇÃO
Classificação indicativa: 18 anos.
Contato: Felipe M. Guerra.
OBSERVAÇÕES
A estreia estava programada para 24 jun 2006, sab, 20h30, mas foi adianda para o dia seguinte, como informa o diretor para o Portal por mail em 26 jun 2023: "Na noite da première oficial, quando a sala de 130 lugares estava lotada e havia fila de gente querendo entrar, o filme não foi exibido por problemas técnicos!!! Naquela altura exportar vídeo analógico em formato digital levava horas e horas, eu deixei para fazer isso na véspera e o áudio ficou fora de sincronia com o vídeo, então tive que cancelar a estreia e fazê-la no dia seguinte, aí já com um arquivo correto".
Os nomes dos personagens não estão creditados.
Cf. créditos finais: // Esta é uma obra de ficção. Os nomes dos personagens são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas, mortas ou mortas-vivas é mera coincidência. / (R) 2003-2006: Necrófilos Produções Artísticas. Todos os direitos reservados (hahahaha, até parece!). //
Grafias alternativas:
BIBLIOGRAFIA
| + || - |
Exibições
• Carlos Barbosa (RS), Cine Ideale, 25, 26, 28 jun 2006, dom, seg, qua, 20h30
• São Paulo (SP), Nas bordas do cinema brasileiro [27-30 maio], Universidade Anhembi Morumbi-Sala de Cinema, 29 maio 2008, qui, 11h, 19h
| + || - |
Arquivos especiais
Entrevista realizada com Felipe M. Guerra em Porto Alegre, em 2019, para a pesquisa de mestrado O Cinema fantástico no Rio Grande do Sul (1960-2020), de Rodrigo Figueiredo Nunes.
Guerra: Canibais & solidão é uma comédia romântica, como Patricia Genice (1998). Tem uns elementos de terror porque o cara está fantasiando com filmes de canibais, mas não é um filme de terror. Tem pouquíssima coisa, já aviso. Canibais & solidão tem uma história complicadíssima.
Nunes: Foi bancado pelo dinheiro do Entrei em pânico ao saber o que vocês fizeram na sexta-feira 13 do verão passado (2001).
Guerra: É, do que sobrou das festas que também tinha feito. O que acontece com Canibais & solidão foi o seguinte: na minha opinião, talvez seja o meu longa preferido. É uma história que eu gosto muito. Ele é mal filmado porque é em VHS. Mas é um filme que funciona, entendeu... é o mais universal dos meus filmes. E tu percebe que... ele começou a ser filmado em 2003, logo depois de Mistério na colônia (2003). Porque, como eu falei, eu queria aproveitar que estava o negócio em cima do Luciano Huck e tal. Foi o meu filme mais complicado, o filme que eu mais me f* pra fazer. E foi engraçado que ele surgiu como um projeto fácil. Era uma comédia romântica, não tinha efeito especial de terror, não tinha nada fantástico. Tinha umas cenas dos canibais, mas muito pouco. É uma comédia. Só que aí o que aconteceu? Eu tive um milhão de problemas fazendo o filme, tá? Foi o último filme que eu fiz em VHS. A minha câmera estragou. Aí eu tive que filmar um tempo com o microfone dando microfonia. Porque não dava para consertar, entendeu? Então, eu filmei assim. Daí, eu comprei uma outra câmera no Mercado Livre. Essa câmera eu usei um tempo... pifou. Aí, eu pedi emprestado para um tio meu uma câmera, que não era exatamente VHS. Era uma câmera que filmava em Hi8, uma fita maior. E a qualidade é um pouco diferente. Tu percebe exatamente onde é VHS e onde é Hi8. E assim eu terminei o filme. Aí, quando eu tinha 70% do filme filmado (em final de 2003), um dos atores principais (o filme acompanha três personagens jovens) disse que não iria mais fazer o filme. Como assim, meu? Tu tá louco? Não vou fazer, porque eu briguei com a minha namorada, que era a mulher que ficava com ele no filme e não quero mais ver ela, não quero mais fazer nada com ela. Então, eu tinha duas alternativas: ou eu cancelava o negócio. E, como eu falei, já tinha mais de 70% do filme pronto... E fazia outra coisa. Ou eu refilmava tudo. Algumas cenas eu aproveitei, que ele não aparecia. Mas eu tinha que refilmar quase tudo, assim, com outro ator. E eu gostava tanto da história do filme que eu vou refilmar, entendeu. E foi um negócio tão estressante, trabalhoso que, entre o problema do ator sair e o filme efetivamente ser lançado, eu fiz o curta do Paganini, eu parei um tempo, desisti, achei que não fosse mais continuar... então, foi um processo que se arrastou por anos, assim. Foi de 2003 a 2006, até sair o filme, efetivamente. Então, foi um filme que foi filmado ao longo de anos. E dá para ver. O cabelo dos personagens muda a toda hora. É legal porque tem uma cena... eu gosto muito desse filme... para mim, é o meu filme favorito. Tem uma cena em que o personagem principal enche as paredes do quarto dele com fotos da menina que ele ama. Enche de cima a baixo, assim. E da cena em que o cara cola as coisas ali até a cena em que ele arranca (tipo no final do filme), ficou três anos isso na parede, da minha casa. Então, eu não podia mexer naquilo, sabe. Foi algo extremamente estressante. E, olhando hoje assim, eu me arrependo, claro, pelo tempo que eu gastei para fazer o filme. Mas eu não me arrependo de ter continuado. Porque é um filme que eu gosto muito. Acho muito bom. E é um filme que, por não ser um filme de terror (tem alguns elementos, mas não é), ele funciona muito bem. E... as pessoas vendo...eu já vi pessoas que não conhecem a mim, não conhecem os atores, não tem nenhuma intimidade com as pessoas em si, eu vi pessoas chorando no final do filme, com a cena que acontece. Eu pensei: acertei alguma coisa, nesse filme. Porque, de fato, as pessoas estão entrando na história. É uma ideia universal, sobre jovens que querem perder a virgindade. Uma coisa que o cinema mostra até hoje. Então... é um filme que eu devo ter acertado alguma coisa. Obviamente, foi algo muito limitado por ser em VHS... Tu não pode lançar em festival... eu lancei em DVD. Foi o único que eu lancei em DVD. E ele vendeu umas 150 cópias, no máximo. Naquela época, os DVDs eram numerados. Eu queria saber mesmo quanto tinha vendido. Ele é o único filme meu que não passou no Fantaspoa até hoje (2019). Porque eu também sempre quis reeditar ele melhor no computador, fazer um negócio mais bonitinho e até hoje não tive tempo. Então...é o filme que eu mais gosto e é o meu filme menos visto. Mas é um filme pelo qual eu tenho muito carinho. E o toque de terror é o seguinte: o personagem principal (meu irmão, Rodrigo Guerra) ele é um virgem que está tentando transar pela primeira vez. E ele compensou a solidão da vida dele assistindo a filmes de terror. Isso é um pouco autobiográfico; quando eu era adolescente, eu era assim também. E ele ficou obcecado por filmes de canibalismo, aqueles filmes italianos de canibalismo. Isso, na época, era algo que eu estava estudando e pesquisando, porque era algo que me interessava. Quem diria que, no futuro, eu faria um documentário chamado Deodato holocausto (2019), sobre o diretor de Canibal holocausto? Acho que as coisas estão meio conectadas. Não se pode dizer que a minha carreira não segue uma linha. E soa um tanto pretensioso, mas é para ser engraçado: ele começa a confundir o negócio da perda da virgindade com canibalismo. Tipo... a tentação da carne, no sentido literal... é uma bobagem, claro. Não chega às vias de fato. Mas ele começa a fantasiar, realmente. Se apaixona por uma menina e começa a fantasiar, canibalizando ela. É a única coisa fantástica que tem no filme. O resto é uma comédia adolescente tosca e bobinha, tipo Porky's ou American pie. E talvez por isso o filme funcione tanto, né? Não precisa gostar de filme de terror, é uma situação pela qual todo mundo já passou, esse negócio da pressão de perder a virgindade. E é um filme bonito, tem umas cenas dramáticas, eu consegui fazer coisas boas. A trilha sonora é muito boa, eu não tenho direito de nenhuma das músicas, mas é muito boa. É cheia de sucessos românticos. É um filme que, se eu tivesse dinheiro e condições, eu refilmaria assim. Eu não sei se ia ficar tão legal, porque eu teria que botar atores jovens, né? E não seriam esses mesmos... Não teria a mesma graça, talvez. Porque esses caras... o filme foi escrito para eles. Eu sabia o que eu estava fazendo. Não seria o mesmo que trabalhar com pessoas que eu não conheço.
Nunes: Você sempre usa a mesma equipe.
Guerra: É. Meu irmão, minha avó, o Eliseu Demari (um cara que me acompanha desde o começo), tem o cara que substituiu o outro que saiu. E isso é engraçado porque teve cenas que a gente acabou não filmando de novo (com esse cara que saiu). E algumas cenas engraçadas, até. E eu já pensei em algum dia fazer uma versão do filme (pelo menos dessas cenas que não foram terminadas) e, sei lá, cobrir a cara do sujeito de alguma maneira. E usar essas cenas. Porque tem algumas cenas muito engraçadas que eu acabei não filmando de novo, porque eu estava cansado, de saco cheio. Mas é algo que serviu de lição para mim: faça filmes apenas com pessoas que estão diretamente interessadas. Eu não tinha como assinar contrato, nessa época, porque eu não pagava ninguém. Não podia exigir que o cara terminasse o filme. E é algo que eu sempre sugiro às pessoas, quando fazem os seus filmes. Se preocupem com isso, também... como juntar pessoas que sejam diretamente interessadas. Que não vão deixar você na mão. Ele é um filme que muitas das piadas são baseadas no exagero. Tipo esse negócio... o cara se apaixona pela menina e cobre a parede do quarto dele com a foto da menina. Essa cena se passa depois de uma noite de bebedeira dos caras. Ele olha ao redor, tá cheio de garrafa de cerveja vazia... que eu precisei ir num nigth club da cidade e pegar todas as garrafas que eles venderam, e lavar uma por uma (porque elas estavam sujas) para usar nessa cena. Tem o inusitado da cena. O cara acordar de ressaca não é engraçado, mas acordar de ressaca com um monte de garrafas de cerveja em volta, mostrando que eles beberam muito... é engraçado. Tem esse humor exagerado que faz o filme funcionar.
Nunes: Por que você acha que teve esse problema da baixa distribuição?
Guerra: É uma boa pergunta. Eu, naquela época, julguei que fosse por causa disso. Que fosse pelo fato de não ser um filme de terror. Sendo de terror, tu tem festivais de terror (tipo Fantaspoa). Mas não existe um festival de comédias românticas. Então, qual é o outro festival que podia passar isso? Gramado? Jamais iria passar, né? Hoje, não. Hoje, você tem 40 festivais no RS. Pode passar em vários lugares, passar no YouTube. Naquela época, não! Você tinha Fantaspoa e Festival de Gramado, sabe... Esse filme não podia passar em outro lugar. Porque tinha esse preconceito do "é vídeo, não é filme". Então, por isso, não foi muito visto. Ficou em DVD. Mas, para ser justo, o pessoal do Fantaspoa pediu para passar, naquela época. Eu que neguei, dizendo que não era um filme fantástico. É uma comédia romântica. E, um tempo depois, eu aceitei passar, mas desde que eu reeditasse. E acabou que nunca aconteceu. O filme inclusive já completou dez anos e quem sabe quando completar 15. Quando vai ser? 2021. Quem sabe quando completar 15, se ainda tiver Brasil até lá. Ah, e é um filme que eu fiz... até Canibais & solidão, um pouco antes, era difícil conseguir meninas para fazer os filmes. Porque, como é uma cidade pequena, elas tinham medo de passar vergonha, elas tinham medo de ficar marcadas, do pessoal rir, é uma coisa muito de cidade pequena. Então, tu tem que cuidar com o que tu faz. Patricia Genice tem uma menina, duas no máximo. Entrei em pânico (2001) tem duas meninas o filme inteiro. E esse aqui tem muita menina bonita. Porque, depois que Entrei em pânico começou a passar no Fantástico, depois o Luciano Huck, sabe... elas começaram "opa, isso vai ser legal! esse cara está fazendo cinema, vamos participar". Isso é legal. Mas, mesmo assim, tivemos problemas, porque algumas não quiseram fazer. Por conta de achar que o tema era grosseiro, da perda da virgindade, embora o filme não tenha nudez nem sexo, nada. Mas é o filme que mais tem mulheres, e mais mulheres bonitas. O que é surpreendente, já que tu não está pagando ninguém. Canibais & solidão. Belo filme.