Vento Norte (1951)

Brasil (RS)
Longa-metragem | Ficção
35 mm, pb, 76 min

Direção: Salomão Scliar.
Companhia produtora: Horizonte Produções Cinematográficas Ltda.

Primeira exibição: Rio de Janeiro (DF), Círculo de Estudos Cinematográficos, maio? 1951 (especial)
Primeira exibição RS: Porto Alegre (RS), Vera Cruz, 17 maio 1951, qui, 23h30 (especial para Clube de Cinema de Porto Alegre e imprensa)

 

Primeiro longa-metragem de ficção sonoro de produção 100% gaúcha. Antes, é filmada em Uruguaiana a produção carioca Caminhos do sul (1949), à qual Scliar participa ativamente em múltiplas funções. Vento Norte é também a primeira ficção depois dos distantes anos 20 e uma das poucas até o final dos 60 quando a produção gaúcha finalmente ganha uma certa continuidade de produção. Salomão Scliar que sempre teve a fotografia fixa como sua paixão e profissão, realiza notável trabalho de iluminação e enquadramento no seu único longa-metragem. O filme foi produzido por ele, com ajuda financeira da família (uma herança da mãe, e do pai Henrique que aparece nos créditos).

Sinopse


Manhã. Os pescadores enterram um homem vivo (João) na areia, deixando só a cabeça de fora, exposta ao sol. Uma jovem (Luísa), no alto de um rochedo, observa o mar.

Noite. Um forasteiro (João) chega na casa de uma pequena aldeia de pescadores e é recebido pela Velha. Mais tarde chega uma mulher (Maria), a dona da casa. Ela leva o forasteiro até o depósito onde poderá descansar. Num areal, o Capitão Antônio, marido de Maria, vem discutindo com Luísa. O diálogo revela que eles tiveram um caso recentemente até ele conhecer Maria na vila e trazê-la para a aldeia. A jovem não suporta mais esta situação. Antônio chega em casa, é servido e informado por sua mulher da chegada do estranho. Vai até o depósito espiar o forasteiro, que dorme.

Manhã. Antônio vai até o depósito, ao encontro do forasteiro. Logo, na casa, durante o café da manhã, ele informa que procura trabalho. Os dois homens vão para a praia. Os pescadores vão para o mar. Luísa e João se encontram, ficando sós na praia, estabelecendo-se uma amizade entre eles. Ela tenta ensiná-lo a pescar com tarrafa. No fim da tarde, os pescadores voltam preocupados do mar, sem peixes. Um pescador anuncia a chegada funesta do vento Norte. À noite, antes do jantar, Luísa pede a Antônio para que ele deixe João trabalhar. Antônio concorda.

Manhã. Na praia, contra a vontade dos pescadores, Antônio ordena uma nova ida para o mar. João e Luísa não estão presentes. Mais tarde, nas dunas, Luísa tenta seduzir João. À tarde, num ambiente de preocupação geral, toda a aldeia espera na beira do mar a chegada dos barcos. Apenas dois barcos retornam, sem pesca alguma. O terceiro barco não retorna... João e Luísa deixam o grupo na beira do mar e se dirigem até as rochas para melhor enxergar. Ali, eles mantêm relações sexuais. Antônio, à noite, depois de discutir com sua mulher, encontra-se com Luísa e, despeitado, culpa João pelas desgraças ocorridas.

Madrugada. Vigília na praia. Homens e mulheres dormem e rezam na beira do mar. Depois do amanhecer, na casa, João anuncia para Maria que vai embora e declara, inesperadamente, sua paixão por ela. Sua confissão fica truncada pela chegada da Velha. Logo, na praia, Antônio diz para João que não há mais trabalho para ele. João prepara sua partida e briga com Luísa no depósito. Na casa, João insiste para que Maria fuja com ele, quando entra Antônio e manda ela sair. Os dois homens brigam e Antônio acaba morto. A Velha testemunha tudo. João foge. Luísa o encontra escondido numa gruta. Na praia, aparece o barco que faltava, vazio. Luísa é rejeitada de novo. João foge pelo mar até ficar extenuado numa praia. Os pescadores e Luísa o encontram. À noite, numa mesma cerimônia se vela o corpo de Antônio e se condena João.

Manhã. Os pescadores enterram João vivo na areia, deixando só a cabeça de fora, exposta ao sol. Luísa, no alto de um rochedo, observa o mar. Mais adiante, a Velha desenterra João. Recuperando a liberdade, começa a caminhar. Numa última tentativa, Luísa o alcança e o abraça.

Ficha técnica


ELENCO
Apresentando: Roberto Bataglin (João), Patrícia Diniz (Luísa), Manoel Macedo (Capitão Antônio), Berta Scliar (Maria), pescadores da praia de Torres.
Não creditada: Isolina (Velha).

DIREÇÃO
Direção: Salomão Scliar.
Assistência geral: Eduardo Tanon.

ROTEIRO
História: Josué Guimarães, baseada numa ideia original de Salomão Scliar e Eduardo Tanon.
Adaptação cinematográfica [Roteiro]: Salomão Scliar.

PRODUÇÃO
Produção: Salomão Scliar.
Coprodução: Adel Carvalho, Henrique Scliar.

FOTOGRAFIA
Direção de fotografia: Salomão Scliar.
Operação de câmera: Sventos Slavas, Konstantin Tkaczenko, Nilton Nascimento.
Eletricidade: Gleb.

Fotografia de cena (não creditado): Salomão Scliar.

ARTE
Cenários: Vasiliauskas.

Figurino: Mario Agostineli.
Costureira: Virginia.

Maquiagem: Eduardas.
Assistência de maquiagem: Radonsky.
Cabelo: Gaeta.

SOM
Som: Artur Filsinger.

MÚSICA
Música: Luís Cosme.
Regência orquestral: Cláudio Santoro regendo a Orquestra Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro.

FINALIZAÇÃO
Montagem (não creditado): Salomão Scliar.
Efeitos de som: Tommy Olenewa.

EQUIPAMENTOS E SERVIÇOS
Laboratório: Cinegráfica São Luiz (Rio de Janeiro).

MECANISMOS DE FINANCIAMENTO
Companhia produtora: Horizonte Produções Cinematográficas Ltda. (Porto Alegre).

AGRADECIMENTOS
Agradecimentos: Aos Serviços Aéreos Varig pela colaboração prestada durante a execução desta película.

FILMAGENS
Brasil / RS, na praia de Torres, interiores e exteriores.
Período: dezembro de 1950 e janeiro de 1951.

ASPECTOS TÉCNICOS
Duração: 76 min
Metragem: 2.108 metros
Número de rolos:
Som:
Imagem: pb
Proporção de tela: 1.33
Formato de captação: 35 mm
Formatos de exibição: 35 mm

DIVULGAÇÃO
Cartaz: 96 x 61 cm. Impressão: Gráfica Moraya. Exemplar na Cinemateca Brasileira.

DISTRIBUIÇÃO
Certificados: Na cópia única analisada, antecede SCDP: n.17.871, certificado de "boa qualidade", válido até 19 jun 1956.
VHS: Distribuição: Coordenação de Cinema, Vídeo e Fotografia-Secretaria Municipal da Cultura-Prefeitura de Porto Alegre, 2002, Coleção Cinemateca RS, [v.2]; lançado numa caixa junto com o livro de Glênio Póvoas, em edição de 100 exemplares, dirigida a instituições e pesquisadores. Para esta edição é realizado novo telecine a partir da cópia original, na Mega, São Paulo, em 28 jun 2002; no entanto, o resultado sem marcação de luz adequada não é satisfatório e a versão final lançada tem também um problema de sincronização de som  num dos últimos rolos. Antes do longa, como complemento: [Avant-première de Vento Norte no Cinema Imperial, em Porto Alegre, em 30 de junho de 1951] com 3 min 30 seg. O crédito-título foi acrescido para esta edição, já que o original trata-se provavelmente de material não finalizado, sem créditos.
Contato: Muriel Scliar, neta de Salomão Scliar.

OBSERVAÇÕES
Trata-se do primeiro filme para todos os atores.
Roberto Bataglin é descoberto por Scliar na Rua dos Andradas em Porto Alegre. Depois de Vento Norte ele vai para o Rio onde atua em diversos filmes, tais como Agulha no palheiro (Alex Viany) e Rio, 40 graus (Nelson Pereira dos Santos). Mais tarde ele vai abrir no Rio o Studio Bataglin, responsável pela sonorização (edição, mixagem) de inúmeros projetos.
Para os outros atores, Vento Norte será seu único filme. Berta Scliar, esposa de Salomão, tinha tido uma pequena experiência como atriz junto ao grupo teatral carioca Os Comediantes. Patricia Diniz é pseudônimo de Ione Alvez Stumpf, que à época era professora em Canela.
Algumas notas antes da filmagem falam em Patricia Capri. Outros nomes mencionados antes das filmagens para integrar o elenco são: Valéria (que seria Luísa), Jason Natel [ou Jasson Natel] (que seria Capitão Antônio). Patrícia Diniz cotada para fazer Maria acabou fazendo Luísa.
Os outros personagens, incluindo a Velha, são interpretados por pescadores ou moradores da praia de Torres. O pescador Manoel Macedo provavelmente está dublado por um ator no Rio de Janeiro.
A informação de que Salomão é também o montador vem de uma nota na revista Manchete: "Colaboru em 10 filmes, o último dos quais, Vento Norte, escreveu, produziu, filmou, dirigiu, cortou, revelou e distribuiu". (MOREIRA, Carlos. Quem conhece e quem faz cinema no Brasil – 8 praticantes. Manchete, Rio de Janeiro, 31 jan 1953, n.41, p.39.)
Roteiro datilografado, original de Salomão Scliar, com anotações + fotografias de cena: salvaguardados no Acervo Salomão Scliar depositado no Museu Hipólito.
Leopoldis-Som Produtora Cinematográfica Brasileira (Porto Alegre) filma a avant-première de Vento Norte num experimento de imagem e "som direto" com depoimentos de: Roberto Bataglin (ator), Ernesto Dornelles (coronel, segundo mandato governador RS entre 31 jan 1951 e 25 mar 1955, co-ligação PTB/PSP, eleito em 3 out 1950), Salomão Scliar (diretor), Josué Guimarães (escritor), Antonio Amabile 'Piratini' (presidente Casa do Artista Rio-Grandense), Berta Scliar (atriz), Patrícia Diniz (atriz). Não foi localizada a exibição pública deste material – pertencente a Ney Gastal, que cedeu sua inclusão na edição em VHS.
Negativos e/ou cópias: Negativos perdidos em incêndio da Atlântida. // Cinemateca Brasileira: contratipo realizado a partir de uma cópia doada por Salomão Scliar; cópia 35 mm. // Museu Hipólito: cópia 35 mm, tirada em 1998.

Grafias alternativas: Agostineli | Katchenco | Nascimento | Salamão Scliar | Slavas (cf. créditos)
Grafias alternativas (funções): Maquilagem | Costumes [= Figurino]

BIBLIOGRAFIA
PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. História ilustrada dos filmes brasileiros 1929-1988. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989, p.54.
PÓVOAS, Glênio Nicola. História e análise do filme Vento Norte. São Paulo: ECA/USP, 1999. 204p. Orientação: Maria Rita Galvão. (dissertação de mestrado)
PÓVOAS, Glênio Nicola. Vento Norte: história e análise do filme de Salomão Scliar. Porto Alegre: Unidade Editorial, 2002. 197p. Inclui fotogramas digitalizados, descrição plano a plano, críticas da época.
COTTA, Roberto. Vento Norte (1951) – O vento vira, o povo sofre. In: FEIX, Daniel; LUNARDELLI, Fatimarlei; PINTO, Ivonete; KANITZ, Mônica; VALLES, Rafael (org). 50 olhares da crítica sobre o cinema gaúcho. Porto Alegre: ACCIRS Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, Opinião Produtora, Diadorim Editora, JBL Harman, Pró-cultura / Secretaria de Estado da Cultura / Governo do Rio Grande do Sul, 2022. 226p. il., p.12-15.

Noticiário:
Vento Norte, a primeira produção da Horizonte! – Preparativos finais para o início das filmagens – Torres, servirá de cenário – Atores novos que serão lançados. O Dia, Curitiba, 6 jun 1950, p.7, ano XXVI,  n.8.425.
Vento Norte, a primeira produção da Horizonte!. Correio Paulistano, São Paulo, 6 jun 1950, p.6, ano XCVI, n.28.883.
Vento Norte – Dentro em breve a 'location' para Torres dos técnicos e atores dessa película. O Jornal, Rio de Janeiro, 23 jul 1950.
PASSOS, Juvenal (texto); Horizonte [Salomão SCLIAR] (fotos). Vento Norte-luz do sul. Revista do Globo, Porto Alegre, 19 ago 1950, p.39-41 e 75, n.515.
Em preparo a filmagem de Vento Norte – Dentro em breve a location para Torres dos técnicos e atores dessa película. Correio Paulistano, São Paulo, 8 set 1950, p.6, ano XCVII, n.28.963.
Novos empreendimentos. A Cena Muda, Rio de Janeiro, 19 set 1950, p.12-13, n.38.
Vento Norte. Jornal do Dia, Porto Alegre, 20 jan 1951, p.5, ano IV, n.1.197.
Vento Norte. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 jan 1951, p.6.
João. Correio do Povo, Porto Alegre, 28 jan 1951, p.8.
Vento Norte está sendo terminado no Rio. Jornal do Dia, Porto Alegre, 4 fev 1951, p.5, ano V, n.1.209.
Vento Norte. Correio do Povo, Porto Alegre, 4 fev 1951, p.7.
A marcha do cinema brasileiro. A Cena Muda, Rio de Janeiro, 8 fev 1951, p.20, n.6.
Vento Norte. Correio Paulistano, São Paulo, 1º mar 1951, p.6, ano XCVII, n.29.108.
AJP (III), p.110-111 (com foto).
Vento Norte. Revista do Globo, Porto Alegre, 3 mar 1951, p.80, ano XXIII, n.529.
Vento Norte será lançado breve em 4 cinemas da capital. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 jun 1951, p.8.
Avant-première de Vento Norte. Folha da Tarde, Porto Alegre, 30 jun 1951.

KOUTZI, Jacob. Perfil de um lutador [Henrique Scliar]. Nossa Voz / Unzer Stime – Semanário Israelita-Brasileiro, São Paulo, 3 abr 1963, p.43, ano XVII, n.971.

COZZATTI, Luiz César. Cinema: A descoberta de Vento Norte. Zero Hora, Porto Alegre, 20 set 1985.
PÓVOAS, Glênio. Encantamento do filme Vento Norte atravessa meio século. Sessões do Imaginário, Porto Alegre, ago 2001, p.20-24, n.6.
LUNARDELLI, Fatimarlei. Cinéfilo: A história de Vento Norte. Aplauso, Porto Alegre, [maio] 2001, p.31, n.27.

Crítica:
O., A. [OBINO, Aldo]. Cinema: Em torno do Vento Norte. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 maio 1951, p.8.
VIANY, Alex. Vento Norte e a crítica – Um pequeno milagre de honestidade. Folha da Tarde, Porto Alegre, 26 jun 1951, p.8-9.
SANTOS, M.. Cinema: Cartazes da Semana: Vento Norte. Correio do Povo, Porto Alegre, 3 jul 1951, p.8.
ARLES, Louis. Estreias da Semana: Vento Norte. Jornal do Dia, Porto Alegre, 3 jul 1951, p.5, ano V, n.1.330.
SCLIAR, Carlos. Vento Norte e outros ventos. Horizonte, Porto Alegre, 1951.
PERSON, Milton. Vento Norte. Estado do Rio Grande, Porto Alegre, 27 jul 1951.
SILVA FILHO, Antônio da. Vento Norte. Sul – Revista do Círculo de Arte Moderna, Florianópolis, ago-set 1951, p.12-15 [BN, p.14-17], ano IV, n.14.
ALENCAR, José de Sousa. Sétima Arte: Vento Norte. Diário de Pernambuco, Recife, 4 maio 1952, 2ª Secção, p.2, ano 127, n.103.
L.. Mundo de Luz e Som: Filmes: Ventania. Diário de Pernambuco, Recife, 6 maio 1952, p.6, ano 127, n.104.
AGOSTINI, Angelo de. Vento Norte. Jornal Pequeno, Recife, 6 maio 1952, p.2, ano 52, n.102.
LIMA, Pedro. Vento Norte. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 8 nov 1952, p.2, ano XXIV, n.5.521.
DINES, Alberto. Telas da Cidade: Vento Norte. A Cena Muda, Rio de Janeiro, 14 nov 1952, p.8.

Exibições


• Rio de Janeiro (DF), Círculo de Estudos Cinematográficos, maio? 1951 (especial)

• São Paulo (SP), Museu de Arte de São Paulo, 12 maio 1951, sab, 20h30 (especial para os alunos do Seminário e sócios da Associação Paulista de Cinema)

• Porto Alegre (RS), Vera Cruz, 17 maio 1951, qui, 23h30 (especial para Clube de Cinema de Porto Alegre e imprensa)

• Porto Alegre (RS), Imperial,
30 jun 1951, sab, 24h (avant-première)
2-8 jul 1951, seg-dom, 15h, 19h30, 21h30

• Porto Alegre (RS), Glória, 5-7 out 1951, sex, sab, noite, dom, vesperal e noite (+ complementos + Lamento de uma glória)


• Recife (PE), Trianon, 28 abr-4 maio 1952, seg-dom, 13h30, 15h30, 17h30, 19h30, 21h30

• Rio de Janeiro (DF), Presidente, 30 ago 1952, sab, 24h (pré-estreia em benefício do I Congresso Nacional do Cinema Brasileiro + complemento: Seca, I. Rozemberg)

• Rio de Janeiro (DF), Rex (R. Alvaro Alvim, 39, Cinelândia), 3-9 nov 1952, seg-dom, a partir das 14h (+ Três maridos)


• Porto Alegre (RS), Retrospectiva cinema gaúcho [16 set-6 out], Cinemateca Paulo Amorim-[Sala Paulo Amorim], 16 set 1985, seg, 19h, 21h (+ Passeio da S. Recreio Juvenil em 8 de dezembro 1912 Porto Alegre + Cachorricídio)

• Gramado (RS), 26º Festival de Gramado – Cinema Latino e Brasileiro [8-15 ago]-Mostra Paralela,
Serrano Centro de Convenções-Sala Lupicínio Rodrigues, 10 ago 1998, seg, 14h30
Centro Municipal de Cultura Prefeito Arno Michaelsen (R. Leopoldo Rosenfeld, 818)-Teatro Elisabeth Rosenfeld, 11 ago 1998, ter, 19h30

• Porto Alegre (RS), Cinemateca Paulo Amorim-Sala Paulo Amorim, 17-19 set 1998, qui-sab, 19h

• Porto Alegre (RS), Cinemateca Paulo Amorim-Sala Paulo Amorim, 30 jun 2001, sab

• Porto Alegre (RS), Cine Santander Cultural, 3 nov 2002, dom, 19h15 (comentada com G. Póvoas)

• Canela (RS), 22ª Feira do Livro Josué Guimarães [28-30 set], Espaço Nydia Guimarães, 28 set 2017, qui, 19h45

Arquivos especiais


O., A. [OBINO, Aldo]. Cinema: Em torno do Vento Norte. Correio do Povo, Porto Alegre, 20 maio 1951, p.8.

Desde guri sonhamos com o cinema rio-grandense. Lembramo-nos das aventuras de Eduardo Abelin, um chaufeur que fez O Castigo do orgulho e outras coisas mais há quase trinta anos. Não esquecemos um documentário [Torres] de umas duas partes sobre a vida dos pescadores de Torres. Há uma pausa de uns quinze anos, até que Italo Majeroni projeta a fase dos jornais fílmicos, a única obra estável do Rio Grande em matéria de cinema. Sempre na expectativa do cinema brasileiro e rio-grandense, procuramos os indícios esperançosos, até que vislumbramos tendências e tentamens como Caminhos do sul. Fixada a Campanha, eis agora o Litoral. Estamos na era do cinema brasileiro praieiro e nativista, a fugir do cinema urbano, e mundano do grã-finismo. Há um triênio sugerimos os temários da gleba gaúcha: as charqueadas, os vinhedos, os cebolais, arrozais e laranjais, a gadaria, as missões jesuíticas, o fazendeiro e o agricultor, as minas de carvão, os milharais, os nossos rios, os canoeiros e pescadores, as cidades velhas e novas. Eis-nos agora diante de outra iniciativa de nosso movimento amadorístico. É Vento Norte. É o tema congênere que forma o invólucro de O Tempo e o vento, de Erico Verissimo. O gênero praieiro está avassalando o Brasil fílmico, país de civilização dualista: litorânea e do interior. Com curiosidade, interesse e simpatia, seguimos a distância a elaboração desse filme. Estamos sob o signo da água e do vento. É Torres primitiva, longe de sua presente urbanização. É a vida dos pescadores, sob o domínio da paixão e do Vento Norte. É o litoral com seus contrastes. É o caminho de Caiçara, Estrela da manhã, em contraste à Terra é sempre terra e Caminhos do sul.
Salomão Scliar foi o animador do filme. O jovem e conhecido fotógrafo tem o gosto da fotogenia lírica, cujos índices são a fase da revista Guaíra e todas as suas reportagens além da contribuição à fotogenia de Caminhos do sul.
O filme, que conhecemos antecipadamente, é um esforço de nosso inquieto amadorismo, preocupado por dar rumo novo e artístico ao cinema nacional, afundado até há pouco nas toleimas das revistecas e dos dramas cosmopolitas. Procura a terra e o homem. Trabalho arrojado, vivido pelo espírito jovial e intrépido de Salomão Scliar, com apoio do libérrimo Adel Carvalho, Vento Norte foi feito por uma equipe de seis amadores.
Sugestões não faltaram à concepção de Salomão Scliar-Josué Guimarães. Stromboli é fonte imediata de indicações. Depois é a frustração de Orson Welles e de Raul Roulien (Jangada). São as aspirações insatisfeitas de Marajó. É Estrela da manhã. É Caiçara. Na ordem internacional é grande o contingente dos filmes praieiros, não esquecendo Aurora, de Murnau, Ala-arriba, de Leitão de Barros e Rio da vida. Tema perene na sua fecundidade, o presente filme é cheio de achados, do ponto de vista fotográfico. A câmera estilizou predominantemente com acerto e caráter artístico o que descreveu. Há belíssimas visões paisagísticas e sequências de grupos sob o ar livre e dentro das palhoças. Lembrando um pouco o filme português, Ala-arriba, a obra de Scliar apresenta um elenco em parte com autênticos pescadores, como está em voga no cinema universal e reúne alguns amadores. O elenco é desigual. Os nativos são bons. Os amadores são desiguais. Manoel Macedo é bom. Berta Scliar apreciável. Roberto Bataglin regular. Patrícia Diniz sofrível. Os coadjuvantes normais. Um defeito está no enredo. O assunto é ótimo, mas o tratamento fica a dever. Falta dramatização, e trama com urdidura mais verossímil. Os ambientes estão ótimos e impecáveis, só devendo a indumentária de Luísa. A música de Luís Cosme é das melhores de toda a história do cinema brasileiro. É valiosa como a de Mignone em Caiçara, a de Radamés Gnattali em Pureza e Villa-Lobos, em O Descobrimento do Brasil. A apresentação musical do amazonense Cláudio Santoro é excelente. Em conjunto, o filme tira sua força da ambiência cósmica e dos costumes coletivos, fraquejando na trama psicológica da intriga, sustentando-se numa fotografia incomum.
É incrível essa arrojada aventura de cinema amador, animado mais por instinto e improvisação e sem grandes recursos e longe dos profissionais técnicos e estrangeiros.

VIANY, Alex. Vento Norte e a crítica – Um pequeno milagre de honestidade. Folha da Tarde, Porto Alegre, 26 jun 1951, p.8-9.

Mais do que qualquer outro filme produzido no Brasil em anos recentes, Vento Norte põe em relevo, de maneira gráfica e eloquente, o problema de fazer cinema sério em nosso país. Tal como nos casos de Caminhos do sul e Estrela da manhã, que, apesar de todos os seus defeitos, abriram caminho para um cinema genuinamente brasileiro, seu tema é típico e legítimo. E, mais que nos exemplos citados, sente-se o povo do Brasil nos magníficos tipos escolhidos pelos realizadores e nos cenários exuberantes onde foram colocados.
Ainda assim, deve-se notar que uma grande distância separa o tema da história. O tema é a vida dos pescadores numa colônia perdida nas lindas praias do Rio Grande do Sul, e a influência que sobre ela exerce a presença de um estranho vindo da cidade. A história, por sua vez, cai no erro de pôr o estranho em primeiro plano, ficando os demais quase que em função de seus desatinos e caprichos. Evidentemente, houve um desequilíbrio aí: muito melhor seria se víssemos a vida dos colonos em primeiro plano, e sentíssemos a influência do estranho somente quando refletida na rotina dos pescadores e suas mulheres. Além disso, parece ter havido, da parte dos roteiristas, a intenção de destacar os aspectos mais sensuais da história, em detrimento do que poderia apresentar de observação social. Assim, tematicamente, o resultado é incerto, se não negativo. Tudo isso, entretanto, não apaga os méritos da realização da Horizonte. Sabe-se que o pequeno grupo reunido por Salomão Scliar até então conhecido como um dos melhores fotógrafos da imprensa brasileira, lutou com todas as dificuldades possíveis e imagináveis. Para começar, o capital era pouco e a engenhosidade dos jovens cineastas gaúchos teve de cobrir muitas deficiências técnicas. O negativo era quase anti-diluviano, prejudicando em muitos trechos a qualidade da fotografia. A câmara, por outro lado, já passara por tantas mãos que só vivia a pedir aposentadoria.
Pois, com pouco dinheiro, pouca gente, material técnico deficiente, e um grupo de intérpretes sem experiência de espécie alguma, a Horizonte conseguiu fazer um dos filmes mais decentes e honestos já produzidos no Brasil nos últimos anos. Excetuando-se os momentos em que a má qualidade do negativo atuou contra os seus propósitos, a fotografia é deslumbrante.
Os melhores trechos merecem figurar ao lado do melhor de Ruy Santos. Há neles uma clara influência de Gabriel Figueroa, como há, em certos planos, a notável presença do Eisenstein de Que viva México!. Aqueles planos do estranho enterrado na areia são quase idênticos a alguns planos famosos da obra incompleta do grande diretor soviético.
Afora a própria indecisão da história, já apontada, o maior problema levantado por Vento Norte é uma ampliação de um dos maiores problemas de Estrela da manhã. Não há dúvida de que ambos os filmes, mais notadamente o de Scliar estão no caminho certo, ao dar preferência à exposição de temas brasileiros em cenários tipicamente brasileiros. Mas a própria exuberância de nossa natureza tende a neutralizar o drama, a não ser que seja muito bem marcado e desenvolvido, e a levar o fotógrafo a paroxismos de preciosidade. Sendo Vento Norte o primeiro trabalho cinematográfico de Salomão Scliar e seu grupo, muita coisa tem de ser desculpada, não por favor ou amizade, mas por simples compreensão e fé em seu futuro. É apenas natural que o antigo fotógrafo de imprensa deixe-se impressionar mais pela fotografia do que mesmo pelo drama. Entretanto, é preciso que tenha mais cuidado ao futuro. Por uma ou outra razão, Salomão Scliar teve de funcionar como produtor, roteirista, diretor e fotógrafo-chefe. Sabemos, por experiência e observação que esse acúmulo de tarefas, na face atual do cinema, pouco contribui para a coesão do produto final, retardando por outro lado, a própria realização do filme, e prejudicando mesmo a sua qualidade, através do forçoso esgotamento do realizador. Apesar disso, sente-se a força de Salomão Scliar não só na parte fotográfica, mas também no padrão interpretativo, que, levando-se em conta a inexperiência de todos os atores, é um dos mais altos até agora verificados no cinema indígena. Sem dúvida, os quatro intérpretes principais – Roberto Bataglin, Patrícia Diniz, Manoel Macedo e Berta Scliar – merecem oportunidades em produções futuras da Horizonte. Em última análise, e sem exagero algum, Vento Norte é um pequeno milagre de honestidade profissional, de dedicação e amor ao bom cinema. Sem dúvida, um excelente começo para a Horizonte, que, sendo dirigida por cineastas sinceros e estudiosos, bem poderá usar os seus próprios erros em benefício de suas produções futuras.

SANTOS, M.. Cinema: Cartazes da Semana: Vento Norte. Correio do Povo, Porto Alegre, 3 jul 1951, p.8.

Acreditamos que a importância de Vento Norte já tenha sido compreendida pelo público do Rio Grande do Sul. Não é demais insistir, entretanto, no que representa a primeira realização da Horizonte para o cinema brasileiro, além de ser o resultado do primeiro esforço realmente sério para a produção de filmes sul-rio-grandenses. Exibido para o Clube de Cinema de Porto Alegre e para a imprensa desta capital, o filme provocou admiração, repetindo-se, aliás, o que já se observava em anteriores projeções para o Círculo de Estudos Cinematográficos, do Rio, e Museu de Arte, de São Paulo. Isto por se levar em conta as enormes limitações enfrentadas pelos realizadores, donos de capitais modestos para os grandes encargos hoje acarretados pela produção cinematográfica. Assim se explicam as deficiências do material humano e técnico-mecânico, mal trabalhados ou limitados a ponto de tornar obrigatória a inclusão no filme de cópias de péssimos trechos de negativo (que em produção normal seriam inutilizados), cuja apresentação em filmes de classe comercial "A" (no Brasil representados apenas por Caiçara e Terra é sempre terra) ou mesmo "B" (A Sombra da outra, Maior que o ódio, Carnaval no fogo etc.) seria objeto de vigorosas censuras, mas que em Vento Norte temos que admitir, pelo menos em parte.
Por isso considero injusto criticar Vento Norte obedecendo o critério usual. Já não me refiro à produção normal dos centros mais evoluídos, porém, afastando-se mesmo do critério que preside o julgamento dos filmes nacionais os quais (com exceção de Caiçara e Terra é sempre terra, duas realizações do mais elevado nível comercial) são sempre julgados em relação ao meio. Há na produção normal brasileira a preocupação máxima do lucro imediato, sem o cuidado de preparar o terreno para uma produção estável e sempre lucrativa, através da contínua apresentação de filmes de bom nível, já não dizemos artístico, mas ao menos técnico-mecânico.
Essa produção pode às vezes apresentar o resultado de certas inquietações artísticas, como em Estrela da manhã, de argumentos mais profundos, como em Todos somos irmãos, ou tentativas de superação, como em A Sombra da outra. Pode descer, também, a coisas ignominiosas e terríveis como Pra lá de boa, Coração materno, Mãe, Aguenta firme, Izidoro! e, infelizmente, muitos e muitos outros. O que de melhor nos pode ser apresentado partindo dessa produção resume-se na correção mecânica de certos trabalhos, sempre aliados a uma total falta de ambição artística. Os filmes da Atlântida podem ser tomados como representativos: Carnaval no fogo, Maior que o ódio etc.
Ora, Vento Norte nada tem em comum com toda essa produção citada. Muitos erros poderíamos apontar consequentes de falhas dos realizadores, mas de maneira alguma poderíamos criticá-los por falta de honestidade artística. Foi o que mais nos impressionou em Vento Norte, a honestidade artística dos realizadores, e que nos levou a formar no enorme grupo dos que o aplaudiram. É um fenômeno quase virgem em tantos anos de cinema sonoro no Brasil. O único paralelo adequado vamos encontrar em Uma Aventura aos quarenta, uma realização carioca de 1947, produto da animação de um grupo de entusiastas: Os Cineastas.
Assim, para fazer justiça a Vento Norte e colocá-lo com propriedade dentro da produção nacional, preferimos considerá-lo um filme amador. Partindo de nós, que sempre demos à palavra "amador" o seu mais amplo e real significado, isto é um grande elogio. Vento Norte está fora e acima da produção normal brasileira, como igualmente esteve em 1947 o filme amador Uma Aventura aos quarenta, detentor de quase todos os diplomas da A.B.C.C. daquele ano, inclusive o de "o melhor filme do ano". E lembremo-nos ainda uma vez mais de que foi Limite, um filme amador de 1931, a obra que levou o cinema brasileiro a um plano artístico internacional, efêmero embora, e que recebeu elogios do próprio S. M. Eisenstein.
Vento Norte encontra hoje a produção nacional muito mais evoluída que em 1947. Possivelmente não receberá tantos lauréis como Uma Aventura aos quarenta, mas receberá alguns. Talvez não chegue a constituir, no Rio e São Paulo, o "acontecimento" que possibilitou a Silveira Sampaio e seus cineastas um triunfo nos palcos daquelas cidades. Mas, entre o público mais esclarecido, sempre fará sucesso, como, aliás, já ficou demonstrado. Mas, aqui, os gaúchos devem fazer de Vento Norte o que o filme realmente é: um acontecimento na vida do Rio Grande do Sul; o primeiro sinal de uma produção cinematográfica que virá e, sobretudo, como já se expressou um comentarista carioca: "um pequeno milagre de honestidade".

SCLIAR, Carlos. Vento Norte e outros ventos. Horizonte, Porto Alegre, 1951.

Numa aparência de intenso desenvolvimento, devido à quantidade, atravessa o cinema nacional a mesma crise por que atravessa toda a produção brasileira, praticamente destruída no seu nascedouro pelo imperialismo norte-americano.
O critério geralmente adotado, na feitura dos nossos filme, tem sido o critério dos capitalistas, que consideram o cinema uma mercadoria que dá grandes e imediatos lucros e cujo nível lhes é fornecido pelo cinema de Hollywood.
Se houve época em que aplaudimos os menores melhoramentos técnicos pressentidos nos filmes brasileiros, hoje isso já não sabe. A indústria cinematográfica brasileira está começando, é verdade que está começando mal, mas já dispõe de condições para realizar filmes que contenham um mínimo razoável de qualidade técnica. Mas um filme é antes de mais nada uma história contada com mais ou menos habilidade. Essa história, se não contém elementos que possam interessar o público, está fadada a um fracasso mais evidente do que daquelas produções que, mesmo sendo tecnicamente fracas, disponham de conteúdo mais positivo.
Tivemos nesses seis meses toda uma série de filmes nacionais exibidos em Porto Alegre e onde se pôde constatar os mais variados níveis técnicos. Desde Katucha, primário, passando pelo Coração materno, A Echarpe de seda, infantis, até filmes mais pretensiosos como Terra é sempre terra e Presença de Anita, vamos descobrir conteúdos desse nível vergonhoso que coloca o cinema brasileiro entre os mais atrasados. O desrespeito ao nosso povo é flagrante nessas produções, onde o que de pior de cada coletividade é o tema escolhido como história digna a ser mostrada pelo cinema, esse cinema instrumento de cultura para os países civilizados.
Mas vejamos se isso que acontece no cinema nacional é fenômeno isolado. Qual é o cinema que explora os mais baixos sentimentos dos homens? Qual é o cinema que prega o ódio entre as nações? Qual é o cinema que transforma a guerra em tema de propaganda na defesa de interesses excusos? Qual é o cinema onde o sexo aparece como o elemento dominante? Qual é o cinema no qual o proletariado, o setor fundamental de cada nação, está ausente, e a polícia e os gangsters aparecem como heróis? E onde os raros filmes que significam uma oposição a esse conteúdo vergonhoso constante são obras de alguns cineastas ousados que hoje respondem diante de tribunais pela sua honestidade? E onde alguns dos mais importantes realizadores e cenaristas estão respondendo na prisão pelas suas produções? Esse cinema é o cinema produzido pelos trustes ianques, que já não satisfeitos em transformarem esse "instrumento de cultura" em instrumento de depravação em seu próprio país tratam de amordaçar os cinemas nacionais que lhes caem nas mãos. Há duas razões principais orientando esse empreendimento: 1º – eliminar os concorrentes; 2º – fazer frente as oposições ideológicas desses cinemas. É o que está acontecendo com os cinemas ocidentais, com os cinemas francês, inglês e italiano, principalmente. Estas denúncias nos são trazidas pelos depoimentos dos maiores realizadores desses países como Laurence Olivier, pela Inglaterra, Claude Autant-Lara, pela França, e Vittorio De Sica, pela Itália.
O imperialismo norte-americano faz de seus filmes instrumentos de propaganda de sua "civilização", na defesa de seus interesses. Os primeiros passos que dão, na destruição dos cinemas nacionais, é orientá-los nos mesmos temas decadentes de seus filmes.
Eis que no Brasil formaram-se várias empresas com vastos capitais e imensa propaganda. A onda em torno desses empreendimentos só não foi maior do que a expectativa de nosso povo, tão constantemente enganado por todos esses aventureiros do cinema. Em poucos meses duas grandes produtoras se apresentaram ao nosso público não só através prometedores programas mas já através seus primeiros filmes e o que vimos foi uma desorientação total estrangulando os melhores propósitos. Vejamos por partes: Com a Vera Cruz a nossa confiança era maior, pois dispunha essa empresa do mais importante nome brasileiro do cinema, Cavalcanti. Para o nosso público Cavalcanti era relativamente desconhecido, mas é, na Europa, um dos realizadores mais respeitados do cinema inglês, assim como o foi um dos mais cotados empreendedores do cinema experimental francês. Com esse trunfo a Vera Cruz apresentava-se inspirando confiança mesmo entre os mais incrédulos no cinema nacional. E no entanto com suas duas primeiras produções a empresa, perdeu grande parte do crédito que lhe dávamos. Por quê? Cavalcanti soubera organizar e trazer para o Brasil um grupo de técnicos de primeira qualidade, criara condições para que se formassem ao lado desses, técnicos brasileiros. Mas deram a Cavalcanti dois temas péssimos. Se Caiçara com tudo o que possuía de falso ainda chegava a nos interessar, pelo fato de ser o primeiro empreendimento, já o mesmo não se podia esperar de Terra é sempre terra. Este filme, com toda a sua técnica é uma das produções mais lastimáveis e atrasadas já aqui realizadas. O nosso povo é desmoralizado com o propósito evidente de justificar a podridão dos latifundiários decadentes. A tese defendida nesse filme, de que a terra pertence aos seus proprietários, os paulistas de 400 anos, pois os que nela trabalham não são aptos e não têm esse direito, torna-se, nessa altura dos acontecimentos verdadeiramente risível, senão lastimável. A reação do público foi nítida e insofismável. Mesmo entre os críticos da reação raros foram os que puderam justificar e defender o filme.
A Maristela, outra empresa importante, pelos enormes capitais nela empatados, afundou-se logo no seu primeiro filme Presença de Anita – obra primária em todos os sentidos. Filme que explora as aventuras de um indivíduo que não possui outro sentido na vida senão a realização de suas alucinações sexuais.
Na "Carta aberta aos amigos do Cinema Brasileiro", dos cineastas Alex Viany, Carlos Ortiz e José Ortiz Monteiro, denúncias muito sérias foram feitas sobre o propósito deliberado de um interventor nomeado para essa empresa, um sr. chamado Benjamim Finenberg, que recentemente adquiriu notoriedade ao requerer mandato de segurança contra a portaria que determina a exibição de seis filmes nacionais por ano pelos cinemas lançadores. Esse sr. já havia reduzido a produção da Atlântida para dois filmes anuais e o mesmo está fazendo para a Maristela.
Como vemos o cinema nacional atravessa uma crise muito séria e é nessa altura dos acontecimentos que assistimos o lançamento de Vento Norte, primeiro filme da Horizonte, pequena produtora gaúcha. Conhecemos perfeitamente as difíceis condições em que foi rodado este filme. Constatamos as inegáveis qualidades do seu realizador, que nesse seu primeiro filme se apresenta em condições excepcionais para o nosso panorama. Mas ainda nessa realização o erro fundamental é repetido contra o povo, onde a verdade de nossa gente é falseada pela história pseudo-realista que deforma os costumes dos pescadores do Rio Grande do Sul, com um evidente propósito de exotismo. O magnífico tema – vida dos pescadores – transforma-se em mero pretexto para as aventuras sensuais dos vários personagens. Mas com estas restrições podemos considerar Vento Norte um dos filmes mais interessantes já realizados no Brasil e a obra que melhor toca nesses elementos que deveriam ser a principal preocupação dos nossos realizadores. Vento Norte é uma produção que demonstra o quanto podemos esperar de equipes pequenas, onde a vontade de fazer cinema supera a não existência de grandes estúdios. Vento Norte abre caminho para um verdadeiro cinema nacional, menos pelo que significa, mas pelas possibilidades que deixa antever para as produções com pequenos capitais, com alguns técnicos capazes, e essa persistência que deve ser a principal qualidade para os que querem fazer um bom cinema no Brasil. Vento Norte nos mostra também que um bom tema quando tratado sem conhecimento verdadeiro é radicalmente prejudicado, pois nem as impressionantes fotografias do filme defendem uma história falsa.
Quando a reação tudo faz com o evidente propósito de desmoralizar a nossa gente, negando as qualidades ao nosso povo e acentuando somente os aspectos mais negativos, deve ser a orientação de nossos realizadores patriotas levantar histórias que mostrem nosso povo realmente como é, com suas dificuldades e com sua disposição para atingir níveis mais altos e mais dignos. O realismo não é mostrar sistematicamente aspectos negativos, mas mostrar tudo aquilo que contribui para que a humanidade se desenvolva em paz.

PERSON, Milton. Vento Norte. Estado do Rio Grande, Porto Alegre, 27 jul 1951.

Não estranhem. É bilhete mesmo, pois não me atrevi a rever o filme. Vai com toda boa vontade a primeira impressão de há [ilegível] atrás, impressão longe de corresponder ao entusiasmo natural que o nosso primeiro filme gaúcho (e não me venham com arquivos de que não é o primeiro filme gaúcho, claro o é, os outros são tão antigos que eu nem havia nascido) devia provocar e não provocou. Uma série de cartões postais movendo-se dóceis ao grande fotógrafo que às vezes Salomão Scliar se porta como, uma fresta de argumento escrito por Josué Guimarães na ida para a redação, [ilegível] da sua capa valiosa do Xicote, alguns dos piores atores que já andaram em frente de uma câmera, eis Vento Norte. Ver nele qualquer sombra de ritmo, lembrar Eisenstein é desconhecer o sangue que é capaz de sacudir o cinema, experiente em alturas mais aquecedoras que as areias vergastando Roberto Bataglin, mais vertiginosas que os rochedos de papelão das Torres do filme – porque a natureza é em Vento Norte mais capaz de paixão que os próprios personagens, e nem mesmo ela se agitou comovida diante dos esforços da equipe de filmagem. Nomear os atores é coisa rápida: quatro, salvando-se nalgum momento, que agora não recordo, o pescador Manoel Macedo (o que mais sofreu com a dublagem, tão reconhecidamente antipática). Diante da cabeleira escorrida pelo rosto de Bataglin ocorreu uma comparação que não se reproduz.
Façam uma tentativa de compreender-me: não combato os corajosos responsáveis por Vento Norte, combate este, insuficientíssimo para minha ânsia de gostá-lo. Chego ao ponto de crer vestígios numa cena: a da luta entre o pescador e o rapaz, onde surge [ilegível] grande destaque o cajado e [... ancos - ilegível] de Manoel Macedo. O que me desgosta ainda mais é a confusão oscilando entre documentário e drama, desapercebida dos próprios autores. Se na anarquia tivessem obtido mais ação, atraindo mais interesse ao menos pelo movimento, seria mais aceitável do que a lentidão de elefantíase que se apoderou do filme. Há quem goste. Eu não.
Mas é de perguntar-se o que havia na minha expectativa. Uma fita genial? E por que querer menos? O alarido traz o maior filme nacional, desde o esquivo, esotérico Limite... Chegaram a dizer o Scliar enchinelador do Figueroa. Devolvendo a obra-prima ao seu verdadeiro lugar, sinto-me hiper-exigente e louco. Queria um filme pelo menos decente e não somente desgostar e depois enfileirar desculpas de negativo, copião e filme de amadorismo numa crônica que enchesse a Horizonte de burguesíssima satisfação. O que Vento Norte tem de melhor – os momentos de brilhantismo fotográfico – não era preciso passar duas horas encerrado no cinema para admirar: basta ver a propaganda espalhada pelo Imperial e pela Globo, de arredondar os olhos tal a beleza. Scliar é ótimo na sua especialidade, mas que cinegrafistas assumiram a direção dos próprios filmes com êxito? Rudolph Maté? Não. Ted Tetzlaff talvez e mais nenhum.
Dois palpites chamaram minha atenção pela sua irremediável burrice. O primeiro é de Henriette Morineau considerando-o genial etc. e tal, e digno de ser exibido na Europa. E o outro, de Alex Viany, chega à ousadia de estudar o argumento, tentando pô-lo em harmonia com ideias socialistas e sugerindo que os realizadores teriam feito melhor se eclipsassem um pouco o herói em favor da massa de pescadores, resolvendo-lhes os problemas por close up... Se o cinema brasileiro vai se guiar por tais profetas, melhor é abandonar o barco, deixá-lo vagar, náufrago, como o Bataglin que em desespero se jogou no mar...

ALENCAR, José de Sousa. Sétima Arte: Vento Norte. Diário de Pernambuco, Recife, 4 maio 1952, 2ª Secção, p.2, ano 127, n.103.

Filme gaúcho, é uma boa ideia, séria, honesta, posta a perder pela falta de recursos técnicos com que foi realizada, e também pela história, inteiramente falsa como drama regional. A composição fotográfica é preciosa, revelando imaginação, ousadia e conhecimentos por parte do fotógrafo, mas que foi desperdiçada, ou melhor sacrificada pela falta de uma iluminação apropriada. Assim as imagens passam do plano das figuras para o das silhuetas. A direção não soube controlar o ritmo da película que é monótono, exasperante. Por sua vez os artistas continuam a ser mal dirigidos. São bonecos que se movimentam na tela. Bonecos com o rosto brilhando de vaselina, sem emoção ou vida. Como filme experimental merece apenas o nosso respeito, nunca a nossa aceitação como realização cinematográfica.

LIMA, Pedro. Vento Norte. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 8 nov 1952, p.2, ano XXIV, n.5.521.

Quando da confecção deste filme, parece que houve o intuito de juntar na sua ficha técnica, todas as nacionalidades capazes de suplantar a "Legião Estrangeira" da Vera Cruz. O cameraman era russo; o som, de um alemão; técnicos, austríaco, lituano, peruano, francês, italiano e outros russos brancos, azuis etc. Mas nos parece que afinal de contas, a apresentação de Vento Norte só foi possível depois de uma tempestade na Arca de Noé, que permitiu a Salomão Scliar, seu diretor e coordenador na história, terminar a montagem do filme, depois de tanta e tantas andanças e marolas. O caso é que o filme está sendo exibido. É uma produção da Horizonte Filme de Porto Alegre que, como não poderia deixar de suceder, reflete as hesitações e a inseguridade de sua realização. A história do filme talvez não fosse má, se tivesse recebido um tratamento melhor, criando outras situações de interesse, dando mais vitalidade às cenas e um ritmo menos lento. Falta-lhe o sentido realista, o senso do documentário de uma região que o filme teima em mostrar através de lindas paisagens e de tipos que aparecem na tela como exposição de fotografias, paradas, de efeito de luz e de sentido unicamente plástico. O diretor, um fotógrafo, também não sentiu outra coisa senão a beleza pictórica, e o filme é rico de paisagens, mas o diabo foi o abuso do filtro vermelho. Por que fizeram todas as cenas em efeito noturno? Nem se vê a cara dos artistas, senão quando elas se apresentam mais escura, besuntadas de gordura de fumeiro. Foi pena, pois os ângulos, as paisagens e locação, serviriam para mostrar a fotografia mais artística e bonita do nosso cinema. Há tempos tínhamos assistido a uma cena, na sala de corte, passada num areião, que achamos um primor pictórico. Mas não a vimos agora. Não fazia mal que fosse de mais nas sequências, porque o filme da maneira que está, não faria notar a quebra de continuidade.
Salomão Scliar na direção revela-se um hábil fotógrafo. Aqueles ângulos devem ser mais seus do que de Konstantin Tkaczenko. Dos artistas, o melhor é Jasson Natel [sic], o que não é difícil, pois os outros todos estão piores. Vento Norte é um filme de tendência plástica e que realmente demonstra gosto na angulação e nas fotografias. Mas cinema não é still fotográfico, parado, que se põe num quadro ou se prega num álbum. Se o filme mostrou movimentação, esta ficou nos bastidores, aliás bem agitados. Vale pelo menos a intenção e o esforço, se é que o público quer saber dessas coisas quando vai ao cinema para ver filmes...

DINES, Alberto. Telas da Cidade: Vento Norte. A Cena Muda, Rio de Janeiro, 14 nov 1952, p.8.

Escondido no Rex, foi lançada a produção de Salomão Scliar, Vento Norte. A obscuridade do lançamento prejudica assim esta obra em favor de uma Pecadora imaculada ou de um outro monstrengo, quando o filme de Scliar, se bem que fraco, tem não só valor potencial pelas intenções, mas sobretudo um grande valor plástico.
Scliar (que produziu, dirigiu e fotografou o filme) tem neste filme a oportunidade de demonstrar não a sua habilidade técnica como fotógrafo (nisto ele fracassa até, em certo ponto, pois a fotografia está muito prejudicada pela falta de recursos técnicos), mas a sua sensibilidade como fotógrafo, como documentarista, como cineasta cuja arma e meio de expressão é a Imagem. Scliar sabe explorar a plasticidade das coisas, dando a beleza que as coisas a nossa volta têm e que nossos olhos cansados e voltados para outras metas não veem. A sequência da espera pela volta dos pescadores é um ilustrador exemplo do que dissemos, com aquela mulher grávida em primeiro plano num verdadeiro grito de imagem, num verdadeiro drama plástico.
Infelizmente é só isto que podemos dissecar do filme de Scliar, além de suas intenções de fazer uma obra brasileira, pura, repousando em temas populares.
O filme é lento, arrastado, mais do que o ambiente e a atmosfera, e a sua linguagem pré-sonora, lhe obrigariam ser. A história fraca, mal narrada (tipo da história que nunca poderia começar pelo fim, como começou) encontra nos personagens e tipos, somente um material plástico e nunca um elemento palpitante, dramático e de Vida.
Roberto Bataglin (descoberto por Scliar), Berta Scliar e Patrícia Diniz não vivem seus papéis, interpretam mal, conduzidos por um diretor que só se preocupa em dar realce à Imagem.
Música, por momentos, interessante de Luís Cosme.
Salomão Scliar entretanto, demonstra com este filme ser um grande fotógrafo e mais do que isto um fotógrafo do Brasil, assim como é Figueroa do México e Aldo Tonti começa a sê-lo na Itália.

Filmes citados:
O Castigo do orgulho (Eduardo Abelin, 1927)
Torres (José I. Picoral, 1927)
Caminhos do sul (Fernando de Barros, 1949)
Caiçara (Adolfo Celi, 1950)
Estrela da manhã (Jonald, 1950)
Terra é sempre terra (Tom Payne, 1951)
Stromboli, terra di Dio (Roberto Rossellini, 1949, IT)
It's all true (Orson Welles, 1942, US, finalizado em 1993)
Jangada (Raul Roulien, 1949, negativo destruído por um incêndio durante as filmagens)
Aurora (Sunrise, Friedrich Wilhelm Murnau, 1927, US)
Ala-arriba (Leitão de Barros, 1942, PT)
Rio da vida
Pureza (Chianca de Garcia, 1940)
O Descobrimento do Brasil (Humberto Mauro, 1937)
Que viva México! (Sergei Eisenstein, filmado em 1931)
A Sombra da outra (Watson Macedo, 1950)
Maior que o ódio (José Carlos Burle, 1951)
Carnaval no fogo (Watson Macedo, 1950)
Pra lá de boa (Luiz de Barros, 1949)
Coração materno (Gilda Abreu, 1951)
Mãe (Teófilo de Barros Filho, 1948)
Aguenta firme, Izidoro! (Luiz de Barros, 1951)
Uma Aventura aos quarenta (Silveira Sampaio, 1947)
Limite (Mario Peixoto, 1931)
Katucha (Paulo Machado, 1950)
A Echarpe de seda (Gino Talamo, 1950)
Presença de Anita (Ruggero Jacobbi, 1951)
Pecadora imaculada (Rafael Mancini, 1952)

Como citar o Portal


Para citar o Portal do Cinema Gaúcho como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
Vento Norte. In: PORTAL do Cinema Gaúcho. Porto Alegre: Cinemateca Paulo Amorim, 2024. Disponível em: https://cinematecapauloamorim.com.br//portaldocinemagaucho/92/vento-norte. Acesso em: 22 de novembro de 2024.